Obras poéticas | Page 2

Nicolau Tolentino
dizellas?
Se vedes, que o Mundo inteiro
As vai
erguendo ás Estrellas?
Diz que vio a Capital
Cheia de pompa, e grandeza;
E que a ergueis
a lustre tal
D'entre os braços da molleza,
Que he no Clima natural.
Que nas mãos, onde se encerra
Alto Poder respeitozo,
Mostraste na
nova Terra
Ao Vizinho revoltozo,
N'uma a paz, em outra a guerra.

Que offreceis a vida então
Para a palavra salvar-se,
Que, os bons
Reis não dão em vão;
Acção digna de contar-se
Entre as de Mario,
ou Catão;
Que a mão que as Quinas voltêa,
Justiça ao Povo reparte;
E que
igualmente menêa,
Ora as Bandeiras de Marte,
Ora as Balanças de
Astiéa;
Mas já vossa austeridade
Minha narração reprime;
Ouvis-me contra
vontade;
Perdoai, Senhor, hum crime,
De que foi causa a verdade;
Pois que vos não dão desvelos
Louvores, que préza a gente,
Eu vou,
Senhor, suspendellos;
E vou dar-vos novamente
Motivos de
merecellos.
A minha longa fadiga
Já sabeis qual he, Senhor;
Levai-me a bem,
que a não diga;
Deixai-me poupar a dôr
De abrir huma chaga
antiga.
Pintar Irmans desgrenhadas
Co'as creanças innocentes.
Nos débeis
braços alçadas,
E de lagrimas ardentes,
Quasi sem fruto, banhadas.
Mostrar-lhe os olhos magoados,
Onde inutil pranto assiste,

Immoveis no chão pregados,
Nutrindo hum silencio triste,
Falsa paz
dos desgraçados;
Contar-vos, que entre os Irmãos,
Diz o bom Pai, com ternura,
Que
ao Ceo levantem as mãos;
Que assim se emenda a ventura,
E não
com queixumes vãos:
Que he do espirito fraqueza
Perder suspiros no vento;
Que venção a
natureza;
Que fação co'soffrimento
Honroza a dura pobreza;
Não lhe ver de dor sinais;
Ter no rosto olhos serenos,
E no peito
agudos ais;

Que porque se escutão menos,
Por isso me córtão mais:

Dar-vos huma inteira idéa
Da desgraça minha, e delles,
Pintura de
pranto chêa;
Se he preciza, he para aquelles,
A quem não dóe dor
alhêa.
As almas tão bem nascidas,
Como a vossa vejo ser,
Para serem
condoîdas,
Não tem precizão de ver
Correr sangue das feridas;
Sabeis, que soffro a impiedade
De vã fortuna traidora;
Mudai pois
de heroicidade;
Vinde pleitear agora
A cauza da humanidade;
Por vós tirar não podeis
Penas, que a alma me abafárão;
Mas ante o
Throno valeis;
E se o Sceptro vos fiárão,
Que vos negarão os Reis?
Reger-lhe os vastos Estados,
Ir dar-lhe hum novo esplendor,
São
feitos famigerados;
Mas inda o será maior
Ir pedir por desgraçados,
Disse a Cezar o Orador,
Que os Soldados tinhão parte
No perigo, e
no louvor;
Que fosse em outro Estendarte
Elle só o Vencedor;
Que era, de doce brandura
O deixar-se então vencer,
Mór victoria, e
mais segura;
Onde não tinhão poder
Nem ferro, nem má ventura.
Vencei vós sem ter Soldados;
Fazei de dias de dor
Dias
bemaventurados;
E possa essa mão, Senhor,
Mais do que podem
meus fados;
Claros Avós imitastes,
Que o Mundo apenas abrange;
No berço
palmas achastes;
Dos Heróes que vio o Gange,
O sangue, e as
acções herdastes;
Remotos Povos vencêrão,
E mares bravos abrindo;
As Quinas
desenvolvêrão;
Ante eles o Gange, e o Indo,

Tintos de sangue
corrêrão.
Vós, que em obras semelhantes
Fostes ser a Copia honroza
Do que
elles fizerão d'antes,
Na série maravilhoza
Das vossas acções

brilhantes;
Consenti, que a larga historia,
Que Almeidas levanta aos Ceos,

Lhes deixe no Altar da Gloria
Pendente, entre os mais Troféos,

Huma negra Palmatoria.
_A' Illustrissima, e Excellentissima Senhora Condeça de Tarouca, na
occasião do seu Casamento_.
Senhora, o Forte da Estrella,
Chorando o bem que perdeo,
Das suas
justas saudades
Por portador me escolheo;
Quiz que eu viesse contallas
Ao som desta rouca Lyra,
De longos
annos affeita
A acompanhar quem suspira;
Não fallo nos ternos Pais;
Nelles a alta Jerarquia
Tempéra saudozo
pranto
Com o pranto da alegria;
Ao nome dos seus Passados
Planos caminhos achárão,
Unindo ao
sangue de Heróes
O sangue de Heróes que herdárão;
Não fallo no amavel Conde;
Esse não faz compaixão;
Tem seges,
tem bons cavallos,
Tem o remedio na mão;
Sobre rápidos ginetes,
Quebrando a dura calçada,
Com o Francisco
a reboque,
Andará sempre na estrada;
Tambem das caras Irmans
Não venho as mágoas pintar;
Co'a terna
Mãi muitas vezes
As virão desafogar;
Fallo da triste Familia,
Que em amoroza manîa
Accuza o Ceo, que
vos deo
Formozura, e Fidalguia;
Dons, de seu mal cauzadores;
E que deixão coroado,
Na mais
illustre Conquista,
O mais ditozo Soldado;

Ralham delle a toda hora;
Foi cauza do seu tormento;
Elogião, e
praguejão
Seu alto merecimento;
Se he Soldado, siga a Guerra,
E as funestas glorias della;
Ataque
milhões de Fortes,
Mas deixe em paz o da Estrella;
Tem figura, tem talentos;
Tem alta Estirpe preclara;
Oxalá que
assim não fosse,
Ella então o desprezára; =
Mas, Senhores, perdoai-lhes;
A's vezes na grande dor
Fallão
palavras de raiva
A linguagem de amor;
O Silva, o Authomato honrado,[1]
Anda mais abstracto, e mudo;

Põe o doce antes da sôpa;
Queima o Café, quebra tudo;
[Nota de rodapé 1: Copeiro.]
O hirsuto, austéro Rodrigues,
Semblante de poucas pazes,
Desafoga
a sua dor,
Dando murros nos rapazes;
Vossa Aya, de tres idades,
Em canto escuro assentada,
Vos manda
calado pranto,
N'um cobertor abafada.
Outras vezes esquecida
De quanto seu Fado he crú,
No queixo
ajustando o lenço,
E sobrepondo o bajú:
Ergue ao ar cansados ossos;
E sem temer ventos frios,
Tirando-lhe
Amor o pezo
Dos gelados pés tardios;
Do bom costume enganada,
E com a uzada cautela,
Para dar, e ter,
bons dias,
Vos vai abrir a janela;
A janela a desengana;
Renova-lhe a dor no peito;
Chama em vão o
vosso nome,
Abraçando hum ermo leito.
Do peito das mais Creadas
A saudade se não risca,
Desde as Ayas

ralhadoras,
Té á ladina Francisca.
E pois que
Continue reading on your phone by scaning this QR Code

 / 23
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.