Obras poéticas | Page 5

Nicolau Tolentino
p?r em Marcia os meus;?Que me paga mil extremos,?Assim como eu pago os teus;
Marcia, que em al?ando os olhos,?Mil settas nesta alma crava;?E em cuja caza tu tens?A dita de ser escrava;
Tens-me a mim por companheiro;?Temos o mesmo Senhor;?Tu, por cazos da fortuna,?Eu, por castigo de Amor;
E pois que eu n?o posso amar-te,?Seguirás melhor esteira,?Se de meus ternos suspiros?Quizeres ser mensageira;
Em vendo que ella está só,?Vai-lhe exp?r a paix?o minha;?Eu pe?o a Amor, que entretanto?Tóme conta na cozinha;
Amor lavará teus pratos,?E escumará a panella,?Em quanto tu a seus pés?Dizes, que eu morro por ella;
Teus grossos, trombudos bei?os,?Lhe v?o exp?r meus cuidados;?H?o de ser melhor ouvidos,?Que sendo por mim contados;
Pinta-lhe as lagrimas tristes?Em que meu rosto se lava;?Por hum infeliz cativo?Pe?a huma ditoza escrava;
Dize-lhe, que n?o se assuste?De meu cabello nevado;?Jura-lhe que n?o s?o annos,?Mas penas, que me tem dado;
Que a cauza das minhas rugas?He o seu desabrimento;?E vai da minha velhice?Fazer-me hum merecimento;
Ah Domingas, se em seu peito?Me fazes achar piedade,?Tambem eu juro fazer?A tua felicidade;
E pois que o teu cora??o?Sómente he baixo, e grosseiro,?Em preferir liberdade?A t?o feliz cativeiro;
Por amor serei mesquinho;?Meus gastos verás cortar;?Para ajuntar-te quantia?Com que te possas forrar;
Cheia de teus beneficios?Minha m?o agradecida?Te irá p?r em larga pra?a?Rendozo modo de vida;
E assentada em novo estrado,?De fasquiada madeira,?Ondeando ao som do vento?Trémulo tecto de esteira,
Teus negros, airozos bra?os,?Chocalhando hum assador,?Encher?o famintos peitos?De castanhas, e de amor;
Terás bojudas tigellas?Sobre incendidos ti??es,?Onde fêrv?o em cardumes?Saborosos mexilh?es;
Teus doces, sonóros écos,?Sem mentir, apregoará??O azeite de Santarem,?O cravo do Maranh?o.
Domingas, segue esse rumo;?Que teu amor reloucado,?Sem te fazer venturoza,?Me deixa a mim desgra?ado;
E se sem dó dos meus ais,?Teimas nos projectos teus,?Fallando nos teus amores,?Em vez de fallar nos meus;
Trocando boa amizade?Por entranhado rancor,?Vou descubrir teus intentos?A teu austéro Senhor;
Que em zelo honrozo inflammado,?Sem ser precizo ati?allo,?Vai a caza do Lagoia[7]?Trocar-te por hum cavallo.
[Nota de rodapé 7: Comprador]
CARTA
A hum Amigo, louvando-lhe o estado de cazado.
Foi este o ditozo dia,?Que te deo a Espoza bella;?Doce, sólida alegria,?Para ti, junto com ella,?No mesmo ber?o nascia;
Por tua maior ventura,?Natureza lhe quiz p?r,?Entre os Dons da Formozura,?Outro dote inda maior,?Que he, alma innocente, e pura;
Eu sei teu costume antigo,?A Mulher, que he só formoza,?N?o vale tudo comtigo;?Soubeste escolher Espoza,?Em quem tens Espoza, e Amigo;
Quer sempre ter hum Senhor?Nosso humano cora??o;?E na ventura maior?Inda sente em si hum v?o,?Que só enche o casto amor;
De quantos males te eximes,?Dando ao teu t?o bom Senhor??Damnozas paix?es reprimes;?Recebes das m?os do Amor?Os prazeres, sem os crimes;
Céga mocidade errada,?A' conjugal uni?o?Quiz chamar vida cansada;?Diz que he triste escravid?o,?De mil pens?es carregada.
Chama á paz hum dissabor;?Diz, que de susto, e desdens?Se alimenta o Deos de Amor;?E que a certeza dos bens?Lhes diminue o valor;
Fech?o olhos á verdade,?Caminhando ap?s seus erros;?E em falsa tranquilidade,?Ao som de pezados ferros,?V?o cantando liberdade;
Mil remórsos na alma est?o,?Que inda que o rosto os suffoca,?Roendo as entranhas v?o;?Que importa rizo na boca,?Se ha punhaes no cora??o?
Amor he fogo sublime,?Que nas almas se accendeo;?As outras paix?es reprime;?Elle he dadiva do Ceo,?O abuzo he que o faz ser crime;
Beija, Amigo, os teus grilh?es;?Hum para o outro er?o feitos?Os vossos bons cora??es;?Crava em vossos ternos peitos?Santo Amor os seus farp?es;
Onde achas pessoa estranha,?Que n?o contrafa?a o rosto,?Porque vê, que assim te ganha??Quem he que na pena, ou gosto,?Com verdade te acompanha?
Contas teus cazos sem medo?A quem por amigo passa;?Fiaste-te em rosto lêdo;?Foste no meio da pra?a?Assoalhar teu segredo;
Mal os homens conheceo?Pura amizade enganada,?O santo rosto escondeo,?E tornou-se envergonhada?Para o Ceo, donde desceo;
O amigo que te rodeia,?Véste das tuas paix?es;?Com ellas te lizonjeia;?S?o raros os cora??es,?Em que d?a dor alheia;
Quando acertares de ler,?Que houve entre homens uni?o,?O Escritor a quiz fazer;?N?o os pintou como s?o;?Mas como devi?o ser;
S?o coizas imaginadas?Dos Nizos o amor profundo;?S?o fábulas bem contadas;?Ou os n?o houve no Mundo,?Ou n?o deixár?o pégadas;
Puro amor, limpa verdade,?Só entre Esposos est?o;?Desce a elles a Amizade;?Traz-lhes co'a santa uni?o?Huma só alma, e vontade;
Communica á Espoza amada?Teus mais internos cuidados;?E vive em paz descan?ada?A vida dos bem cazados,?Vida bemaventurada;
Sem receio de perigo?Dorme sono saborozo;?Que n?o tens junto comtigo;?Lisonjeiro suspeitozo,?Traidor, com rosto de amigo;
Tens por doce companhia?Aquella, que o justo Ceo?Com mil virtudes te invia;?Tu es o cuidado seu,?E como seu, te vigia;
Goza em socego profundo?T?o pura felicidade;?Tens hum thezoiro fecundo;?Tens amor, tens amizade,?Tens todos os bens do Mundo.
E se ha entre homens desvelo?(Coiza que aqui contradigo)?Conta com hum, que he singelo;?E foi sempre teu amigo,?Quanto os homens podem sêlo.
CARTA
_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de Villa Verde D. Jozé de Noronha, hoje Marquez de Angeja_.
Senhor, eu n?o sou culpado;?Tra?ar outros Versos quiz;?Mas tenho perdido o trilho?Com as Trovas do Luiz;
A Muza, que ha pouco as fez,?Outra rima n?o me inspira;?Por mais que mordo nas unhas,?E que em v?o tempéro a Lyra.
Acceitai meus bons dezejos;?E como homem de raz?o?N?o desprezeis baixos Versos,?Quando os dicta o cora??o;
Minhas fiéis express?es,?Filhas de amor, e saudade,?O que n?o tem
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