O poeta Chiado | Page 9

Alberto Augusto de Almeida Pimentel
Pa?o da Ribeira,
[22] O principe falleceu em ter?a feira 2 de janeiro de 1554, dezoito dias antes do parto da princeza.
O palacio dos pricipes era o de Alvaro Peres de Andrade, junto ao Arco dos Pregos, mas communicava interiormente com o palacio real.
A princeza, profundamente abatida, deixou-se conduzir. A noite e o silencio favoreceram ainda d'esta vez o terror, sempre contagioso, m��rmente entre as impressionaveis damas, que os tristes acontecimentos da c?rte traziam sobresaltadas.
Bastaria, portanto, que a princeza tivesse uma vis?o, para que logo fossem egualmente suggestionadas as suas damas, portuguezas e castelhanas.
Assim, pois, todas julgaram v��r sahir pela Varanda d'El-rei, direitos ao Forte[23], muitos homens vestidos �� moirisca, com fatos de variegadas cores, agitando tochas acc��sas e soltando repetidas vozes de--_Ly, ly, ly_. Eira uma especie de dan?a macabra, em que os moiros revoluteavam, despedindo clar?es e gritos; e quando a chorea, percorrendo a Varanda, chegava ao Forte, os moiros precipitavam-se ao Tejo, deixando no silencio da noite uma atmosphera soturna de terror e mysterio.
[23] O Forte, nome que depois conservou o torre?o mandado construir por Filippe II, rematava sobre o Tejo, uma vasta galeria com terra?o, a meio do qual se erguia uma torre ameiada.
As damas fizeram decerto alarma. Acudiria gente do Pa?o, que n?o soube explicar a appari??o sinistra dos moiros. Reconheceu-se que as portas estavam fechadas; que o ingresso de estranhos era impossivel. Ent?o cresceria o pavor, e com elle a predisposi??o para repetir-se a visualidade no mesmo local e nas mesmas condi??es.
Foi o que aconteceu. Poucos dias depois tornou a princeza �� Varanda da Pella, fez algum exercicio passeiando; depois sentou-se a uma das janellas e ent?o se lhe renovou a vis?o dos moiros, com os mesmos trajes, as mesmas tochas, os mesmos gritos--na mesma farandola sinistra.
A princeza e as suas damas fugiram espavoridas sob a mesma suggest?o, pelo contagio do terror. Todas ?tinham visto? segunda vez os moiros. Lembra-nos, por analogia, um facto que Renan refere nos _Apostolos_. Entre os protestantes perseguidos correu voz de que, nas ruinas de um templo destruido recentemente, se ouviam psalmos cantados pelos anjos; tanto bastou para que todos os protestantes que se aproximavam d'aquellas ruinas, ouvissem os psalmos.
O rei e a rainha, informados do que se passava, recommendaram segredo.
Convinha n?o excitar mais a supersti??o popular, que j�� estava muito exaltada por varios factos anteriores, taes como o desacato praticado por um inglez, logo depois do casamento do principe na capella do Pa?o; e a appari??o de um mete��ro luminoso que todas as noites era visivel em Lisboa, quasi em cima da S��, e parecia tomar a f��rma de um atha��de.
Dos nove filhos legitimos de D. Jo?o III fic��ra apenas um, o principe D. Jo?o, e o povo j�� sabia que elle tinha morrido tambem, posto se occultasse a sua morte.
Se o parto da princeza se mallograsse, acabar-se-ia a success?o directa. Portugal perderia a sua independencia, n?o porque el-rei n?o tivesse irm?os, que poderiam succeder-lhe no throno, mas porque pelo contrato de casamento da princeza D. Maria, filha de D. Jo?o III, com Filippe II, a cor?a portugueza passaria para D. Carlos, filho d'aquella princeza.
Por isso o povo, cuidadoso de ver garantida a independencia do reino, ?desejava? que a princeza D. Joanna desse �� luz um filho var?o.
O arcebispo de Lisboa orden��ra uma prociss?o de pr��ces, que se effectuaria logo que a princeza come?asse a sentir as dores do parto.
Pela meia noite de 19 a 20 de janeiro[24] de 1554, quando os sinos dos conventos tocavam a matinas, houve rebate de que a princeza experimentava os primeiros symptomas do parto. Logo se organizou a prociss?o, que sahiu da S�� para S. Domingos. Rompia a manh? quando a prociss?o ia recolhendo �� S�� e ent?o se espalhou ?a nova feliz de ter nascido o _desejado_[25].?
[24] Dia de S. Sebasti?o, motivo por que recebeu este nome o herdeiro da coroa.
[25] _Portugal cuidadoso e lastimado_, pag. 2.
Desejado foi em verdade D. Sebasti?o, e duas vezes o foi, antes de ter nascido e depois de ter morrido.
Em taes circunstancias, o nascimento do herdeiro da cor?a teve a importancia de um acontecimento nacional, que profundamente interessou a alma popular. N?o foi apenas um regosijo privativo da familia real ou da c?rte, como acontece sempre que nasce ?mais um? principe. Aquelle que tinha nascido era ?o unico? fiador possivel da autonomia de Portugal: por isso tal acontecimento poz em jogo o brio, o orgulho, o amor patrio de todos os portuguezes.
Antes do parto, organizam-se devo??es propiciatorias, em que o povo se mistura com o alto clero, fundindo suas preces.
Em Santarem at�� as crean?as effectuam prociss?es nocturnas, piedosa pratica infantil, que foi muito nossa, e que apparecia sempre nas grandes crises nacionaes, revestindo um gracioso caracter de ingenuidade religiosa e de f�� simples.
Eram prociss?es minusculas, com pequenos andores, pequenas lanternas, sendo o prestito constituido por homensinhos
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