uma br��jeirice, ia ter com o Chiado, que era padre-mestre na materia.
Por isso o consultaram certos vaganaus sobre a ?partida? que deveriam fazer a um mulato f?rro que andava por Lisboa, e a quem tinham asca por ser valent?o e soberb?o.
Aconselhou os o Chiado a que, logo que entrasse alguma nau ingleza, lhe dessem aviso.
Chegou a occasi?o, veiu um navio inglez e o Chiado, fingindo-se fidalgo, foi a bordo com alguns d'aquelles tunantes, que dizia seus criados.
Propoz ao capit?o da nau que lhe comprasse um escravo mulato, que era robusto para o trabalho do mar, mas que n?o podia amansar em terra.
Fez-se o ajuste, sob condi??o de que o escravo iria �� mostra.
Os outros pic?es levaram-n'o a bordo, e como agradasse aos inglezes, logo receberam d'elles o pre?o que f?ra combinado.
Protestou o mulato n?o ser captivo, mas n?o foi acreditado, visto terem-lhe posto fama de soberb?o. Quiz reagir �� viva for?a, mas lan?aram-lhe ferros, visto saberem n'o valente. E teria ido mar em f��ra, como escravo, se a justi?a, informada da occorrencia, o n?o fosse libertar a bordo, obrigando os vaganaus a restituir o dinheiro recebido dos inglezes.
N?o houve mais nenhum outro procedimento da justi?a contra o inventor e executores d'esta tunantada, que aos proprios magistrados pareceu graciosa.
O Chiado sahiu incolume, porque foram os socios que pagaram por elle, e porque a justi?a prohibiu ao mulato que tirasse qualquer desf��rra.
Palavras textuaes do manuscripto: ?...com pena de morte ao negro, que sobre aquella gra?a com o Chiado n?o entendesse, pois f?ra t?o bem achada a gra?a.?
Tal era a cota??o da jocosidade do poeta, que at�� a justi?a se lhe rendia; a natureza dera ao nosso bohemio todos os predicados de gracioso, incluindo a facilidade de imitar simultaneamente as vozes de muitas pessoas[14].
[14] ?Parece que era ventriloquo, porque imitava ao mesmo tempo as vozes de differentes pessoas.? _Dic. Popular_, vol. IV, pag 268.
Tinha o Chiado em casa um pote onde fazia os despejos. Um dia lembrou-se de lhe p?r um tamp?o e embreal-o exteriormente no bocal e no bojo, de modo a parecer vasilha para exportar. Chamando depois quatro mariolas, encommendou-lhes que levassem aquelle pote de conservas �� Ribeira, que o queria embarcar, e que esperassem l�� por elle para lhes pagar o frete.
Como o Chiado n?o tornasse a apparecer, foram os carrej?es avisar a justi?a e requerer que lhes entregasse o pote por indemnisa??o de seu trabalho.
Sendo-lhes entregue como cousa perdida, destaparam-n'o ?e mettendo a m?o dentro--diz o manuscripto--acharam-se com a conserva que n?o imaginavam, e logo viram que f?ra lan?o do Chiado.?
Logo viram que f?ra lan?o do Chiado: esta phrase testemunha quanto era fecunda e inventiva em chistes e logros a imagina??o do famoso bohemio do seculo XVI.
Conheciam-n'o pelo dedo--como gigantesco entre os mais preeminentes foli?es do seu tempo.
Para concluir o extracto do manuscripto, que nos fornece todas estas anecdotas, resta dizer que passando o Chiado pela porta da S�� viu um grupo de muchachos e, dando-lhes atten??o, ouviu-os dizer:
--Eu tom��ra ser bispo.
--Eu tom��ra ser p��pa.
--Eu tom��ra ser rei.
O Chiado, acercando-se d'elles, interpellou-os dizendo:
--E sabeis v��s o que eu tom��ra ser?
--?...
--Tom��ra ser mel?o para me beijardes... no sitio em que se beijam os mel?es.
Com a differen?a que elle falou mais claro do que eu.
Aqui terminam os elementos anecdoticos fornecidos pelo manuscripto para a reconstitui??o da biographia picaresca do poeta Chiado.
Mas estes, que j�� n?o s?o poucos, bastam a egualar o Chiado com Bocage em materia de br��jeirices e tunantarias.
V
Entre as produc??es literarias de Chiado, que eu n?o pude encontrar em 1889, havia uma, que, pouco tempo depois, veiu casualmente ao meu encontro.
Era aquella que o abbade Barbosa designa d'este modo na _Bibliotheca Lusitana_:
?Carta que escreveu de Lisboa a Coimbra da entrada do bispo D. Jo?o Soares, em Lisboa, quando foi �� raia pela princeza. �� jocosa, e se conservava na bibliotheca do cardeal de Sousa?.
Achei-a em copia n'uma miscellanea, que pertenceu ao convento da Gra?a, de Lisboa, e que eu comprei ao Rodrigues do Pote das Almas por dez tost?es. Se exceptuarmos a carta de Chiado, a miscellanea vale pouco. Mas eu, folheando-a, li o titulo da carta, passei-a rapidamente pela vista, reconheci que o texto concordava com o titulo, e adquiri logo o livro, que o Rodrigues teria vendido mais caro se pudesse adivinhar a ras?o por que eu o comprava.
D'isso era elle capaz, Deus lhe fale na alma.
Antes de transcrever a carta que o Chiado escreveu a um seu amigo de Coimbra, preciso esclarecer o leitor sobre o assumpto que a inspirou e o momento em que foi escripta.
O mallogrado principe D. Jo?o, filho de D. Jo?o III, desposou sua prima a linda princeza D. Joanna de Castella, que veiu a ser m?e de D. Sebasti?o o _Desejado_.
A princeza entrou em Portugal no fim de novembro de 1553[15].
[15] Francisco de Andrade diz que foi em 1552; Pedro de
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