O poeta Chiado | Page 7

Alberto Augusto de Almeida Pimentel
uma br��jeirice, ia ter com o Chiado, que era padre-mestre na materia.
Por isso o consultaram certos vaganaus sobre a ?partida? que deveriam fazer a um mulato f?rro que andava por Lisboa, e a quem tinham asca por ser valent?o e soberb?o.
Aconselhou os o Chiado a que, logo que entrasse alguma nau ingleza, lhe dessem aviso.
Chegou a occasi?o, veiu um navio inglez e o Chiado, fingindo-se fidalgo, foi a bordo com alguns d'aquelles tunantes, que dizia seus criados.
Propoz ao capit?o da nau que lhe comprasse um escravo mulato, que era robusto para o trabalho do mar, mas que n?o podia amansar em terra.
Fez-se o ajuste, sob condi??o de que o escravo iria �� mostra.
Os outros pic?es levaram-n'o a bordo, e como agradasse aos inglezes, logo receberam d'elles o pre?o que f?ra combinado.
Protestou o mulato n?o ser captivo, mas n?o foi acreditado, visto terem-lhe posto fama de soberb?o. Quiz reagir �� viva for?a, mas lan?aram-lhe ferros, visto saberem n'o valente. E teria ido mar em f��ra, como escravo, se a justi?a, informada da occorrencia, o n?o fosse libertar a bordo, obrigando os vaganaus a restituir o dinheiro recebido dos inglezes.
N?o houve mais nenhum outro procedimento da justi?a contra o inventor e executores d'esta tunantada, que aos proprios magistrados pareceu graciosa.
O Chiado sahiu incolume, porque foram os socios que pagaram por elle, e porque a justi?a prohibiu ao mulato que tirasse qualquer desf��rra.
Palavras textuaes do manuscripto: ?...com pena de morte ao negro, que sobre aquella gra?a com o Chiado n?o entendesse, pois f?ra t?o bem achada a gra?a.?
Tal era a cota??o da jocosidade do poeta, que at�� a justi?a se lhe rendia; a natureza dera ao nosso bohemio todos os predicados de gracioso, incluindo a facilidade de imitar simultaneamente as vozes de muitas pessoas[14].
[14] ?Parece que era ventriloquo, porque imitava ao mesmo tempo as vozes de differentes pessoas.? _Dic. Popular_, vol. IV, pag 268.

Tinha o Chiado em casa um pote onde fazia os despejos. Um dia lembrou-se de lhe p?r um tamp?o e embreal-o exteriormente no bocal e no bojo, de modo a parecer vasilha para exportar. Chamando depois quatro mariolas, encommendou-lhes que levassem aquelle pote de conservas �� Ribeira, que o queria embarcar, e que esperassem l�� por elle para lhes pagar o frete.
Como o Chiado n?o tornasse a apparecer, foram os carrej?es avisar a justi?a e requerer que lhes entregasse o pote por indemnisa??o de seu trabalho.
Sendo-lhes entregue como cousa perdida, destaparam-n'o ?e mettendo a m?o dentro--diz o manuscripto--acharam-se com a conserva que n?o imaginavam, e logo viram que f?ra lan?o do Chiado.?
Logo viram que f?ra lan?o do Chiado: esta phrase testemunha quanto era fecunda e inventiva em chistes e logros a imagina??o do famoso bohemio do seculo XVI.
Conheciam-n'o pelo dedo--como gigantesco entre os mais preeminentes foli?es do seu tempo.

Para concluir o extracto do manuscripto, que nos fornece todas estas anecdotas, resta dizer que passando o Chiado pela porta da S�� viu um grupo de muchachos e, dando-lhes atten??o, ouviu-os dizer:
--Eu tom��ra ser bispo.
--Eu tom��ra ser p��pa.
--Eu tom��ra ser rei.
O Chiado, acercando-se d'elles, interpellou-os dizendo:
--E sabeis v��s o que eu tom��ra ser?
--?...
--Tom��ra ser mel?o para me beijardes... no sitio em que se beijam os mel?es.
Com a differen?a que elle falou mais claro do que eu.

Aqui terminam os elementos anecdoticos fornecidos pelo manuscripto para a reconstitui??o da biographia picaresca do poeta Chiado.
Mas estes, que j�� n?o s?o poucos, bastam a egualar o Chiado com Bocage em materia de br��jeirices e tunantarias.
V
Entre as produc??es literarias de Chiado, que eu n?o pude encontrar em 1889, havia uma, que, pouco tempo depois, veiu casualmente ao meu encontro.
Era aquella que o abbade Barbosa designa d'este modo na _Bibliotheca Lusitana_:
?Carta que escreveu de Lisboa a Coimbra da entrada do bispo D. Jo?o Soares, em Lisboa, quando foi �� raia pela princeza. �� jocosa, e se conservava na bibliotheca do cardeal de Sousa?.
Achei-a em copia n'uma miscellanea, que pertenceu ao convento da Gra?a, de Lisboa, e que eu comprei ao Rodrigues do Pote das Almas por dez tost?es. Se exceptuarmos a carta de Chiado, a miscellanea vale pouco. Mas eu, folheando-a, li o titulo da carta, passei-a rapidamente pela vista, reconheci que o texto concordava com o titulo, e adquiri logo o livro, que o Rodrigues teria vendido mais caro se pudesse adivinhar a ras?o por que eu o comprava.
D'isso era elle capaz, Deus lhe fale na alma.
Antes de transcrever a carta que o Chiado escreveu a um seu amigo de Coimbra, preciso esclarecer o leitor sobre o assumpto que a inspirou e o momento em que foi escripta.
O mallogrado principe D. Jo?o, filho de D. Jo?o III, desposou sua prima a linda princeza D. Joanna de Castella, que veiu a ser m?e de D. Sebasti?o o _Desejado_.
A princeza entrou em Portugal no fim de novembro de 1553[15].
[15] Francisco de Andrade diz que foi em 1552; Pedro de
Continue reading on your phone by scaning this QR Code

 / 18
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.