impaciente: e, de chap��o sobre o olho, encarei friamente a turba.
Foi ent?o que avistei, adiantando-se, o vulto ponderoso do meu Director Geral: immediatamente, achei-me com o dorso curvado em arco e o chap��o comprimentador ro?ando as lages. Era o habito da dependencia: os meus milh?es n?o me tinham dado ainda a verticalidade �� espinha...
Em casa despejei o oiro sobre o leito, e rolei-me por cima d'elle, muito tempo, grunhindo n'um gozo surdo. A torre, ao lado, bateu tres horas; e o sol apressado j�� descia, levando comsigo o meu primeiro dia de opulencia... Ent?o, coura?ado de libras, corri a saciar-me!
Ah, que dia! Jantei n'um gabinete do Hotel Central, solitario e egoista, com a mesa alastrada de Bordeus, Borgonha, Champagne, Rheno, lic?res de todas as communidades religiosas--como para matar uma s��de de trinta annos! Mas s�� me fartei de Collares. Depois, cambaleando, arrastei-me para o Lupanar! Que noite! A alvorada clareou por traz das persianas; e achei-me estatelado no tapete, exhausto e semi-n��, sentindo o corpo e a alma como esva��rem-se, dissolverem-se n'aquelle ambiente abafado onde errava um cheiro de p�� de arroz, de f��mea e de punch...
Quando voltei �� travessa da Concei??o, as janellas do meu quarto estavam fechadas, e a v��la expirava, com fogachos lividos, no casti?al de lat?o. Ent?o ao chegar junto �� cama, vi isto: estirada de trav��s, sobre a coberta, jazia uma figura bojuda, de Mandarim fulminado, vestida de s��da amarella, com um grande rabicho solto; e entre os bra?os como morto tambem, tinha um papagaio de papel!
Abri desesperadamente a janella: tudo desappareceu;--o que estava agora sobre o leito era um velho paletot alvadio.
III
Ent?o come?ou a minha vida de milionario. Deixei bem depressa a casa da Madame Marques--que, desde que me sab��a rico, me tratava todos os dias a arroz d?ce, e ella mesma me servia, com o seu vestido de s��da dos domingos. Comprei, habitei o palacete amarello, ao Loreto: as magnificencias da minha installa??o s?o bem conhecidas pelas gravuras indiscretas da Illustra??o Franceza. Tornou-se famoso na Europa o meu leito, d'um gosto exuberante e barbaro, com a barra recoberta de laminas d'ouro lavrado, e cortinados d'um raro brocado negro onde ondeam, bordados a perolas, versos eroticos de Catullo; uma lampada, suspensa no interior, derrama alli a claridade lactea e amorosa d'um luar de ver?o.
Os meus primeiros mezes ricos, n?o o occulto, passei-os a amar--a amar com o sincero bater de cora??o d'um pagem inexperiente. Tinha-a visto, como n'uma pagina de novella, regando os seus craveiros �� varanda: chamava-se Candida; era pequenina, era loira; morava a Buenos-Ayres, n'uma casinha casta recoberta de trepadeiras; e lembrava-me pela gra?a e pelo airoso da cinta, tudo o que a Arte tem creado de mais fino e fragil--Mimi, Virginia, a Joanninha do Valle de Santarem.
Todas as noites eu cahia, em extasis de mystico, aos seus p��s c?r de jaspe. Todas as manh?s lhe alastrava o rega?o de notas de vinte mil reis: ella repellia-as primeiro com um rubor,--depois, ao guardal-as na gaveta, chamava-me o seu anjo T��t��.
Um dia que eu me introduzira, a passos subtis, por sobre o espesso tapete syrio, at�� ao seu boudoir--ella estava escrevendo, muito enlevada, de dedinho no ar: ao v��r-me, toda tremula, toda pallida, escondeu o papel que tinha o seu monogramma. Eu arranquei-lh'o, n'um ciume insensato. Era a carta, a carta costumada, a carta necessaria, a carta que desde a velha antiguidade a mulher sempre escreve; come?ava por meu idolatrado--e era para um alferes da visinhan?a...
Desarraiguei logo esse sentimento do meu peito como uma planta venenosa. Descri para sempre dos Anjos loiros, que conservam no olhar azul o reflexo dos c��os atravessados: de cima do meu oiro, deixei cahir sobre a Innocencia, o Pudor, e outras idealisa??es funestas acida gargalhada de Mephistopheles: e organisei friamente uma existencia animal, grandiosa e cynica.
* * * * *
Ao bater do meio dia, entrava na minha tina de marmore c?r de rosa, onde os perfumes derramados davam �� agua um tom opaco de leite: depo?s pagens tenros, de m?o macia, fr��ccionavam-me com o ceremonial de quem celebra um culto: e embrulhado n'um robe-de-chambre de s��da da India, atrav��s da galeria, dando aqui e al��m um olhar aos meus Fortunys e aos meus Corots, entre alas silenciosas de lacaios, dirigia-me ao bife �� ingleza, servido em S��vres, azul e oiro.
O resto da manh?, se havia calor, passava-o sobre coxins de setim c?r de perola, n'um boudoir em que a mobilia era de porcelana fina de Dresde e as fl?res faziam um jardim d'Armida; ahi, saboreava o Diario de Noticiais, em quanto lindas raparigas vestidas �� japoneza refrescavam o ar, agitando leques de plumas.
De tarde ia dar uma volta a p��, at�� ao Pote das Almas: era a hora mais pesada do dia: encostado �� bengala, arrastando as pernas molles, abria bocejos de fera saciada,---e a turba abjecta parava
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