lhe vou contar, meu visinho, se ainda tiver paciencia para me ouvir, me disse D. Mafalda, e o que vou fazer ás minhas leitoras, se ellas quizerem ter a mesma paciencia de me lêr.
Roberto, separado de sua prima, aborrecido e dominado pela prigui?a, fugiu um bello dia da casa onde se achava hospedado, foi procurar, e infelizmente encontrou, os seus antigos companheiros da vadiagem, que tinham quasi todos seguido a estrada do vicio e do crime. Arrastaram portanto comsigo o desventurado Roberto para esse despenhadeiro, na baixa do qual se encontra a escoria da sociedade. Roberto tinha por companheiros habituaes homens criminosos, de cara sinistra, maneiras brutaes, linguagem grosseira e vestidos esfarrapados, n'uma palavra mendigos, ou ladr?es. Adoptou-lhe portanto os costumes as maneiras e as maximas, e quem o visse emmagrecido pela devassid?o, com os vestidos em desalinho, os cabellos eri?ados, tomal-o-ia por um bandido de trinta annos, quando elle n?o tinha mais que dezenove incompletos. Valentina, pelo contrario, tinha crescido em corpo, belleza, espirito, talento e virtudes.
Conduzi-o do Porto ao Rio de Janeiro, e do Rio de Janeiro ao Porto, agora, querendo-me seguir, leval-o-hei a Lisboa, onde se passa um pequeno episodio d'esta muito veridica historia.
De bordo d'um paquete inglez, chegado dos portos do Brazil, tinha desembarcado um passageiro, que se dirigiu a um hotel para descan?ar, e ahi passar até ao dia seguinte, em que devia seguir viagem para o Porto, na mala-posta, a fim de se vir unir a seus filhos, que estava ancioso por abra?ar e apertar contra o cora??o. Julgo desnecessario o dizer-lhe, pois me parece já o adivinhou, que este viajante era Emilio da Cunha, que se considerava feliz por pisar o solo da sua patria, que tanto amava, e onde estava tudo o que elle mais presava n'este mundo. Logo que no hotel lhe prepararam o quarto e tomou uma pequena refei??o, deitou-se e adormeceu, embalado por sonhos felizes.
No dia seguinte ainda o sol mal tinha despontado, já subia pela escada do hotel e entrava no corredor commum, sobre o qual deitavam uma duzia de portas de quartos, um homem de má catadura. Era um d'estes cavalheiros d'industria, a qual consiste em entrar, sob qualquer pretexto, de manh? cedo nos hoteis, e aproveitar-se do primeiro quarto que encontram aberto para empalmarem destramente um relogio, ou uma mala, se o acordar do hospede ou locatario do quarto, os n?o obriga a retirar-se de m?os vazias, desculpando-se de que se tinham enganado na porta.
No andar, vacillante, e como desconfiado, do cavalheiro d'industria se reconhecia facilmente, que era um novi?o, que ia tentar os seus primeiros ensaios, ou que ia fazer a sua primeira escamotea??o.
Depois de ter estado por bastante tempo em lucta com a sua consciencia, e irresoluto se devia ou n?o penetrar no quarto de que a porta se achava meia cerrada, metteu primeiro a cabe?a, depois uma perna, e por ultimo todo o corpo; mas fazendo algum ruido com este ultimo movimento, o hospede, que estava deitado, acordou, e virando rapidamente a cabe?a, Roberto, por que o cavalheiro d'industria era elle, encarou com seu tio Emilio da Cunha, ficou estupefacto e como fulminado por um raio.
N'esse mesmo dia de tarde Emilio da Cunha tomou lugar no caminho de ferro até ao Carregado, e ahi na mala-posta até ao Porto, onde trinta e seis horas depois se achava nos bra?os de sua querida filha Valentina, que immediatamente tinha ido procurar ao collegio.
--Tu sahes já, já do collegio, minha filha--lhe diz Emilio da Cunha--para retomares, e nunca mais deixares, o teu lugar a meu lado.
--Que felicidade--exclamou Valentina toda alegre e folgaz?--que vida socegada e feliz n?o vamos passar todos tres, n?o é assim meu querido pai, por que Roberto tambem vai para a nossa companhia?
--Roberto, morreu--respondeu Emilio da Cunha com rosto severo, e voz soturna.--N?o quero que me falles mais n'elle, entendes Valentina?
Valentina admirada da resposta, ainda fez diversas perguntas a seu pai, mas a todas ellas n?o obteve outra resposta, sen?o a completa prohibi??o de nunca mais lhe fallar em Roberto.
Ainda porém n?o tinha Emilio da Cunha soffrido todas as prova??es, que Deus lhe destinára. Haviam decorrido seis mezes desde que tinha chegado do Rio de Janeiro, quando recebeu a participa??o de que o procurador, que ficára encarregado da liquida??o e arrecada??o da heran?a, tinha cumprido a sua miss?o, mas que, depois de ter arrecadado a somma importante, que produzira a mesma heran?a, tinha desapparecido, sem que as pesquizas feitas para se descobrir o lugar de seu refugio, tivessem dado o desejado resultado.
Emilio da Cunha ficou completamente arruinado por este facto, porque, impaciente por satisfazer os credores de seu irm?o, pai de Roberto, tinha vendido tudo o que possuia em Portugal.
O golpe foi forte, mas ainda assim n?o o foi bastante para poder subjugar a coragem do bom e respeitavel velho, mostrando-se Valentina n'esta
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