de se admirar, sabendo-se que elle tinha uma filha, para quem, passados quatro ou cinco annos tinha a procurar um casamento vantajoso.
Roberto, se chamava o sobrinho de Emilio da Cunha, tinha já 15 annos d'idade, mas o pai, inteiramente entregue ás especula??es, e aos cuidados, que ellas trazem comsigo, descuidou completamente a sua educa??o, por isso o seu retrato moral, n'esta occasi?o, nada tinha de vantajoso; o espirito tinha-o completamente inculto; as no??es que possuia do justo e do injusto eram as mais erroneas e disparatadas; o respeito aos direitos d'outrem era para elle uma inven??o estupida dos homens, condemnada pela natureza, e a verdadeira liberdade consistia em fazer o mal impunemente. Se algum bom instincto, ou algum vislumbre de virtude, existia no cora??o de Roberto, ainda estava em embry?o, por que se n?o tinha demonstrado. Quantas e quantas vezes, em quanto que o pai, cego pelas especula??es, concentrava todas as suas faculdades intellectuaes na realisa??o d'um impossivel, n?o deixou Roberto de ir ao collegio, fazendo o que em termo escolar, se chama gazear, e gastava as horas d'estudo em andar a vagabundear pelos campos e pra?as. D'ahi proveio o tomar rela??es com meia duzia de garotos, ou vadios, permitta-me a phrase, para quem nada era sagrado nem nas ac??es, nem nas palavras. D'ahi nasceu a falta de respeito pela propriedade alheia, roubando os pomares; e o endurecimento de cora??o, castigando barbaramente animaes inoffensivos.
Emilio da Cunha reconheceu logo os maus instinctos de que seu sobrinho era dotado, e a desmoralisa??o, que já se tinha infiltrado no seu cora??o, mas concebeu a esperan?a de o regenerar com desvelos, paciencia, e sobre tudo bons exemplos. Sua filha, a que chamarei Valentina, de 14 annos d'idade, contribuiu poderosamente para a realisa??o d'este seu empenho, t?o justo e louvavel. Era uma menina para quem a natureza tinha sido prodiga em encantos de rosto, d'espirito e cora??o, a ponto de qualquer que a via a admirar, e de quem a ouvia amal-a immediatamente. Tinha uma tal influencia, ou magia sobre os que se acercavam d'ella, que aos bons tornava-os melhores, e aos maus fazia-lhe retirar envergonhados para o fundo do cora??o os maus instinctos. Esta magia n?o teve menos poder sobre Roberto, do que sobre os outros, de sorte que a regenera??o que elle soffreu, nos seus costumes e ac??es, foi t?o sensivel, que o bondoso Emilio da Cunha revia-se alegre e contente na sua obra, e congratulava-se dos resultados que tinha colhido.
Deu-se porém uma circumstancia feliz, mas que ao mesmo tempo foi desgra?ada, que deteve Roberto repentinamente na boa estrada em que se tinha embrenhado, e na qual parecia caminhar resolutamente. Por uma carta chegada n'um dos paquetes inglezes do Brazil, soube Emilio da Cunha, que seu irm?o mais novo tinha fallecido, deixando-o, por elle ser o seu mais proximo parente, herdeiro d'uma fortuna consideravel. Bens rusticos, e estabelecimentos industriaes é no que consistia a fortuna, dos quaes se poderia colher bons lucros, sendo bem geridos, conforme o tinha praticado o seu defunto proprietario; mas Emilio da Cunha, além de se n?o julgar com conhecimentos e for?as para bem gerir a industria com que seu irm?o tinha feito fortuna, n?o tinha desejo, nem queria expatriar-se. Foi até com immensa repugnancia que se resolveu a ir ao Brazil tomar posse e liquidar a heran?a; parecia que um secreto presentimento o avisava do que tinha de acontecer, levando-o a considerar como uma desgra?a esta viagem, a que os sagrados direitos de sua predilecta filha Valentina, o obrigavam a emprehender.
Partiu finalmente, depois de ter tomado todas as precau??es para a tranquillidade de seu espirito. Valentina entrou em um dos collegios de educa??o mais acreditados do Porto, e Roberto ficou n'uma casa particular, onde lhe deviam prestar todos os cuidados, que exigiam a sua idade, pois que já ent?o tinha 17 annos, e a sua completa ignorancia, de que até uma crian?a de 8 annos poderia zombar.
Emilio da Cunha aportou a salvamento ás terras de Santa Cruz, e logo que saltou em terra, desenvolveu a maior actividade, e procurou por todos os meios possiveis abreviar rapidamente os seus negocios, mas infelizmente os resultados n?o correspondiam aos seus esfor?os e desejos, porque de todos os lados, e a todos os momentos estavam sempre a surgir empecilhos e embara?os n?o prevenidos nem esperados. Havia já um anno que Emilio da Cunha tinha chegado ao Brazil, e ainda os seus negocios n?o estavam mais adiantados, que no primeiro dia.
Can?ado, desanimado e affectado de melancolia, ou spleen, como lhe chamaria um nosso fiel alliado britannico, mortificado por um desassosego de que n?o podia explicar a causa, deliberou entregar os seus negocios e a liquida??o e arrecada??o da heranca a um procurador, e embarcar-se no primeiro paquete, que seguisse viagem para Portugal.
Que se tinha porém passado no Porto, durante este tempo?
é o que
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