horas da tarde do dia 30 de maio, quando sentiram
bater á porta. Sensação particular, por aquelle inesperado toque, fez
estremecer mãe e filha. Mysterios ha na vida humana que se não
explicam. Este era um d'elles.
A porta da sala abriu-se, e o criado annunciou uma visita, que não
queria dar o nome, mas que muito desejaria fallar com a senhora.
Mandaram-na entrar.
Ora imagine o benevolo leitor qual não seria a profunda commoção,
sentida simultaneamente por aquella familia, vendo junto de si o
sobrinho que que ha muito julgava perdido.
Mauricio tinha chegado naquelle dia de Paris, onde, a grandes e
penosos sacrificios, fôra buscar uma solida instrucção com o unico
intuito de realisar a sua felicidade futura, unindo-se a sua prima pelos
laços matrimoniaes. Cursava, então, o terceiro anno de engenharia, e
viera passar as ferias a Lisboa.
Leonor, ao ouvir dos saudosos labios de seu primo a narração
circumstanciada dos motivos, que o levaram a executar tão heroico
projecto, sentiu augmentar-lhe gradualmente aquella paixão latente, que
ha muito ardia em seu peito. Elle, attento ao benevolo acolhimento e
fraternal regosijo, que então lhe dispensaram, não duvidou em
declarar-se a sua candida prima, que o attendeu com meiguice e amor.
Rapido se passou o tempo de ferias. De dia para dia se iam
identificando aquelles dois corações, que tinham nascido para muito se
amarem. E, similhante a um grande rio, já não haveria dique capaz de
lhe vedar o seu correr impetuoso.
O amor verdadeiro e puro é uma irradiação do sublime, e como tal uma
aspiração constante para as regiões do absoluto.
Os esponsaes ficaram tractados, e por elles Mauricio voltaria dentro em
dois annos formado, e sobejamente instruido para melhor poder
satisfazer as nobres e santas aspirações de sua prima.
O leitor melhor poderá imaginar qual não seria a violenta agitação dos
dois amantes ao dizerem-se o adeus da despedida. Um drama intimo,
impossivel de descrever-se, e que só poderá ser bem apreciado por
aquelle que, no decurso da sua vida, se encontrar algum dia em
identicas circumstancias.
Porém o bom senso de Mauricio, e sobretudo a necessidade, que nelle
fallava mais alto do que a voz de seu apaixonado coração, estimulou-o
a prosseguir na vereda tão briosamente encetada, ainda através dos
maiores obstaculos.
Partiu, levando a saudade gravada no intimo do peito, e a esperança a
refulgir-lhe por entre as perspectivas d'um risonho porvir.
* * * * *
Ao entrar nesta parte da veridica narrativa, que intentamos esboçar,
julgamos mais conveniente satisfazer a curiosidade da amavel leitora,
transcrevendo para aqui fielmente a limitada correspondencia que se
trocou entre Mauricio e sua prima.
É o que vamos fazer.
CARTA 1.^a
(De Mauricio a Leonor)
Paris, 1860.
«Nem eu sei como relatar-te a minha viagem. Feliz teria ella sido, por
certo, se te tivesse visto sempre a meu lado. Mas... não digo bem... a
tua terna imagem acompanhou-me sempre. Na onda, que preguiçosa ia
beijar a fulva areia; na estrella, que á noite scintillava nos céus; no
espaço, que infinito se me antolhava; por toda a parte, emfim, meu anjo,
a tua melancolica figura vinha sempre afagar a minha tetrica existencia,
e contornar uns doces effluvios de amor no meu angustiado espirito.
Oh!... e quem me dera poder hoje abraçar-te, e depois n'um extasi
delirante, dizer-te:--Leonor, benefica luz dos meus olhos; amo-te,
adoro-te, sou teu. Mas um dia virá em que te poderei dizer
desafogadamente:--agora, por toda a vida, meu amor, jámais me verás
longe de ti!
Louco, que eu sou, na verdade! Insensato!... a dispôr do futuro, como
se meu já fora. Embora! Deus é bom! Não sejamos incredulos! Elle,
que na sua infinita bondade não esquece o desgraçado agonisante no
leito da dôr, por certo não consentirá que uma negra nuvem venha
toldar o puro azul do nosso céu.
Leonor, por quem és, envia-me o balsamo para as saudades que me
opprimem o coração.--Mauricio.
CARTA 2.^a
(Resposta de Leonor)
Bemfica, 1860.
«A tua carta veio encontrar-me agonisando nas vascas d'uma paixão
febricitante.
Um dia sorriu-me o oasis mimoso no deserto da vida, acerquei-me
d'elle extenuada de fadiga, e com o meu pobre coração dilacerado por
uma lucta gigante, que me fôra impossivel evitar. Julgava ser aquelle o
alento para proseguir na minha espinhosa tarefa!... Illusão!... Sinto-me
fraca, e não sei se terei forças para resistir ás agitações febris que hoje
me dominam.
Pede a Deus, meu bom amigo, me prolongue os dias da existencia, para
poder abraçar-te mais uma vez ao menos, e morrer depois com a
consolação derradeira do moribundo, que vê junto do seu leito o vulto
venerando do presbytero, amenisando-lhe a algidez do sepulchro com a
uncção da sua divina prece.
Lembra-te sempre da tua amiga, que, ao longe, vela por ti dia e
noite.--Leonor.»
CARTA 3.^a
(De Mauricio a Leonor)
Paris, 1860.
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