Marilia de Dirceo | Page 3

Tomás António Gonzaga
outras flores.
Ah soccorre, Amor, soccorre
Ao mais grato empenho meu!
Vôa
sobre os Astros, vôa,
Traze-me as tintas do Ceo.
Mas não se esmoreça logo;
Busquemos hum pouco mais;
Nos
mares talvez se encontrem
Cores que sejão iguaes.
Porém não, que
em parallelo
Da minha Ninfa adorada
Perolas não valem nada,

Não valem nada os coraes.
Ah soccorre, Amor, soccorre
Ao mais grato empenho meu!
Vôa

sobre os Astros, vôa,
Traze-me as tintas do Ceo.
Só no Ceo achar se podem
Taes bellezas, como aquellas,
Que
Marilia tem nos olhos,
E que tem nas faces bellas.
Mas ás faces
graciosas,
Aos negros olhos, que matão,
Não imitão, não retratão

Nem Auroras, nem Estrellas.
Ah soccorre, Amor, soccorre
Ao mais grato empenho meu!
Vôa
sobre os Astros, vôa,
Traz-me as tintas do Ceo.
Entremos, Amor, entremos,
Entremos na mesma Esfera.
Venha
Pallas, Venha Juno,
Venha a Deosa de Cithera.
Porém não, que se
Marilia
No certame antigo entrasse,
Bem que a Paris não peitasse,

A todas as tres vencera.
Vai-te, Amor, em vão soccorres
Ao mais grato empenho meu:
Para
formar-lhe o retrato
Não bastão tintas do Ceo.
LYRA VIII.
Marilia, de que te queixas?
De que te roube Dirceo
O sincero
coração?
Não te deo tambem o seu?
E tu, Marilia, primeiro
Não
lhe lançaste o grilhão?
Todos amão: só Marilia
Desta Lei da Natureza
Queria ter izenção?
Em torno das castas pombas
Não rulão ternos pombinhos?
E rulão,
Marilia, em vão?
Não se afagão c'os biquinhos?
E a provas de mais
ternura
Não os arrasta a paixão?
Todos amão: só Marilia
Desta Lei da Natureza
Queria, ter izenção?
Já viste, minha Marilia,
Avezinhas, que não fação
Os seus ninhos
no verão?
Aquellas com quem se enlação
Não vão cantar-lhe
defronte
Do molle pouzo em que estão?

Todos amão: só Marilia
Desta Lei da Natureza
Queria ter izenção?
Se os peixes, Marilia, gerão
Nos bravos mares, e rios,
Tudo effeitos
de Amor são.
Amão os brutos impios,
A serpente venenosa,
A
Onça, o Tigre, o Leão.
Todos amão: só Marilia
Desta Lei da Natureza
Queria ter izenção?
As grandes Deosas do Ceo,
Sentem a setta tyranna
Da amorosa
inclinação.
Diana, com ser Diana,
Não se abrasa, não suspira
Pelo
amor de Endymão?
Todos amão: só Marilia
Desta Lei da Natureza
Queria ter izençao?
Desiste, Marilia bella,
De huma queixa sustentada
Só na altiva
opinião.
Esta chamma he inspirada
Pelo Ceo; pois nella assenta
A
nossa conservação.
Todos amão: só Marilia
Desta Lei da Natureza
Não deve ter
izenção.
LYRA IX.
Eu sou, gentil Marilia, eu sou captivo,
Porém não me venceo a mão
armada
De ferro, e de furor:
Huma alma sobre todas elevada
Não cede a
outra força que não seja
Á tenra mão de Amor.
Arrastem pois os outros muito embora
Cadêas nas bigornas
trabalhadas
Com pezados martellos:
Eu tenho as minhas mãos ao carro atadas

Com duros ferros não, com fios d'ouro,

Que são os teus cabellos.
Occulto nos teus meigos vivos olhos
Cupido a tudo faz tyranna
guerra:
Sacode a setta ardente;
E sendo despedida cá da terra,
As nuvens
rompe, chega ao alto Impirio,
E chega ainda quente.
As abelhas nas azas suspendidas
Tirão, Marilia, os succos saborosos
Das orvalhadas flores:
Pendentes dos teus beiços graciosos

Ambrosias chupão, chupão mil feitiços
Nunca fartos Amores.
O vento quando parte em largas fitas
As folhas, que menêa com
brandura;
A fonte crystallina,
Que sobre as pedras cáe de immensa altura;

Não fórma hum som tão doce, como fórma
A tua voz divina.
Em torno dos teus peitos, que palpitão;
Exalão mil suspiros
desvelados
Enchames de desejos;
Se encontrão os teus olhos descuidados,
Por
mais que se atropelem, voão, chegão,
E dão furtivos beijos.
O Cisne, quando corta o manso lago,
Erguendo as brancas azas, e o
pescoço;
A Náo que ao longe passa,
Quando o vento lhe infuna o panno grosso;


O teu garbo não tem, minha Marilia,
Não tem a tua graça.
Estimem pois os mais a liberdade:
Eu prézo o captiveiro: sim, nem
chamo
Á mão de Amor impia:
Honro a virtude, e os teus dotes amo:

Tambem o grande Achilles veste a saia
Tambem Alcides fia.
LYRA X.
Se existe hum peito,
Que izento viva
Da chamma activa,
Que
accende Amor.
Ah! não habite
Neste montado;
Fuja apressado
Do vil traidor.
Corra, que o Impio
Aqui se esconde:
Não sei aonde;
Mas sei o
que vi.
Traz novas settas,
Arco robusto;
Tremi de susto;
Em vão fugi.
Eu vou mostrar-vos,
Tristes mortaes,
Quantos signaes
O Impio
tem.
Oh! como he justo,
Que todo o humano
Hum tal tyranno
Conheça
bem!
No corpo ainda
Menino existe:
Mas quem resiste
Ao braço seu?
Ao negro Inferno
Levou a guerra:
Vencêo a terra,
Vencêo o Ceo.
Já mais se cobrem
Seus membros bellos;
E os seus cabellos
Que
lindos são!

Vendados olhos,
Que tudo alcanção,
E já mais lanção
A setta em
vão.
As suas faces
São côr da neve;
E a bocca breve
Só rizos tem.
Mas, ah! respira
Negros venenos,
Que nem ao menos
Os olhos
vem.
Aljava grande
Dependurada,
Sempre atacada
De bons farpões.
Fere com estas
Agudas lanças,
Pombinhas mansas,
Bravos leões.
Se a setta falta
Tem outra prompta,
Que a dura ponta
Já mais
torcêo.
Ninguem resiste
Aos golpes della:
Marilia bella
Foi quem lha
dêo.
Ah! não sustente
Dura peleija,
O que deseja
Ser vencedor.
Fuja, e não olhe,
Que só fugindo
De hum rosto lindo,
Se vence
Amor.
LYRA XI.
Naõ toques, minha Musa, não, não toques
Na sonorosa Lyra,
Que ás almas, como a minha, namoradas
Doces Canções inspira:
Assopra no clarim, que apenas sôa
Enche de assombro a terra;
Naquelle, a cujo som cantou Homero,
Cantou Virgilio a Guerra.
Busquemos, ó Musa,
Empreza maior;
Deixemos as ternas
Fadigas
de Amor.

Eu
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