Luar de Janeiro | Page 5

Augusto Gil
mundo quem afronte?Uma mulher quando cae!?Nasce agua limpa na fonte,?Quem a suja é quem lá vae...
V
Aquelle que me roubou?A virtude de donzella?Se outra honra lhe n?o dou,?--é porque só tive aquella!...
VI
Nós temos o mesmo fado,?Oh fonte d'agua cantante,?Quem te quer, pára um boccado.?Quem n?o quer, pássa adeante...
VII
O meu am?r, por amal-o,?Poz-me o peito numa chaga:?Deu-me facadas. Deixal-o.?Mas ao menos n?o me paga!
VIII
Nem toda a agua do mar?Por estes olhos chorada?Daria bem a mostrar?O que eu sou de desgra?ada!
IX
Como querem vêr contente?Este paiz desgra?ado,?Se d?o só livros á gente?Nas escolas do peccado...
X
Dormia o meu cora??o?Can?ado de fingimento.?Bateste-me, e vae ent?o?Acordou nesse momento.
XI
Se aquillo que a gente sente,?Cá dentro, tivesse vóz,?Muita gente... toda a gente?Teria pena de nós!
CARTA A UM RAPAZ SENTIMENTAL
?Um mover d'olhos brando e piedoso?Sem vêr de quê; um riso brando e honesto?Quasi for?ado; um doce e humilde gesto?De qualquer alegria duvidoso

Um encolhido ousar; uma brandura,?Um medo sem ter culpa; um ar sereno,?Um longo e obediente soffrimento.

Cam?es
Num quente e perturbante fim de tarde,?Cujo magnetico e profundo enlevo?Ainda agora em mim crepita e arde,?Como se fosse a tarde em que te escrevo,
Ergui os olhos distrahidamente,?A ver se já brilhava alguma estrella?No concavo do céu opalescente?--E vi, numa varanda, os olhos della...
Do episodio que acabo de contar-te?T?o simples, t?o banal, que dá vontade,?Para lhe p?r um boccadinho d'arte,?De lhe roubar um pouco de verdade,
Foi que este amor espiritual nasceu,?Nasceu, cresceu e se tornou eterno...?Repara, amigo, como olhando o céu?A gente, ás vezes, póde achar o inferno.
Mas quem podia ent?o adivinhal-o??O olhar dessa mulher era t?o lindo?Que deslumbrado me fiquei a olhal-o.?Descera a noite. A lua ia subindo...
Era lua cheia e, para mais, d'agosto;?Dava em toda a varanda. Assim, eu via?As fórmas portuguêsas do seu rosto?Nitidamente, como á luz do dia.
E cá dentro de mim senti nascer?A dúvida, a incerteza, a hesita??o?Sobre o que mais desejaria ser:?Se o noivo della, se o primeiro irm?o...
Uma estrella cadente reluziu?Por sobre as torres da vizinha egreja,?Pensei commigo: Deus o decidiu:?é minha noiva que Elle quer que seja.
N?o dizia ventura, mas desgra?a,?A claridade do signal aereo.?(Na mesma direc??o da egreja, passa?A rua que vae dar ao cemiterio...)
Porém, como querendo agradecer-me?A decis?o que attribuira a Deus,?Inclinou-se de leve para ver-me?E os doces olhos demorou nos meus.
Sob a caricia desse olhar cinzento,?Que ao abaixar-se parecia negro,?O cora??o que me batia lento,?Mudou o andamento para alegro.
Uma hora decorreu. Outras passaram.?Passaram, foram-se; e naquelle enleio?Que tempo os nossos olhos conversaram!...?Estava a noite já em mais de meio.
Vinha dos montes uma brisa ardente.?O céu ganhára tons d'azul cobalto.?O luar cahia silenciosamente.?Na sombra, os rouxinoes cantavam alto.
Arrependidos, ou ent?o, can?ados?De se fitarem com demora em mim,?Os seus olhos piedosos e sagrados?Ao dialogo d'amor puzeram fim.
Desviára-os; e entre as palpebras discretas,?Poisára-os nas m?os claras e pequenas,?Como se foram duas borboletas?Voando para duas assucenas.
Ergueu-se. O busto delicado e fino?Tinha os suaves, religiosos tra?os?Da Virgem num altar. Só o Menino?Faltava na do?ura dos seus bra?os...
Num olhar impregnado de candura,?Disse-me adeus e recolheu. Depois...?A luminosa noite fez-se escura.?Calaram-se na sombra os rouxinoes.
Entrei em casa e quiz dormir. Raiára?A madrugada sem que o conseguisse.?Quem um sonho t?o limpido sonhára,?Inutil se tornava que dormisse...
Annos felizes neste amor gastei.?Vieram em seguida as horas más.?O que nellas soffri, o que passei,?Um dia, noutra carta, o saberás.
M?OS FRIAS CORA??O QUENTE
Dez da manh?. Vento da?serra. Tres graus negativos
_M?os frias, cora??o quente_!?Quanta vez isto dizias?Com o teu ar sorridente,?Apertando-me as m?os frias...
Agora decerto o tenho?Num brazeiro, num vulc?o.?O frio é tanto, é tamanho?Que a penna cae-me da m?o...
Q'ria dizer-te o que penso?E o que fa?o e premedito,?Mas posso lá ser extenso?Com este frio maldito!
Tu perdoas certamente,?Tu n?o te zangas, pois n?o??_M?os frias, cora??o quente_?--Lá diz o velho rif?o...
NOIVA
_A Jo?o da Silva_
?Anda a d?r dissimulada?Mas ella dará seu fruito.?
Crisfal
?Vae ser pedida. Casa qualquer dia.?
(Trecho duma carta)
Tive noticias hoje a teu respeito:??Vae ser pedida. Casa qualquer dia?.?E o cora??o tranquillo no meu peito?--Continuou a bater como batia...
Surpreso duma tal serenidade,?Todo eu, intimamente, me sondava:?Pois nem ciume? Nem sequer saudade?!?--E nem ciumes, nem saudade achava...
Saudades, n?o; que o teu amor antigo?Guardam-no as cinzas (neste cora??o)?Como em Pompeia aquelles gr?os de trigo?Que após centenas d'annos deram p?o...
Saudades! Mas de quê?! Pois n?o sei eu?A lei antiga como o proprio mundo?De que o prazer mal chega, já morreu,?E só a d?r nas almas cava fundo?
Causei-te longas horas d'amargura,?N?o consegues voltar a ser feliz;?A chaga que te abri n?o terá cura,?E se curar--lá fica a cicatriz.
á luz dum juramento que trahiste?Tu has de vêr-me toda a vida pois.?Ergueste-o a Deus num dia amargo e triste?E Deus casou-nos esse dia, aos dois...
Ciumes tambem n?o, por te venderes.?Desgra?adinha! Antes te houvesses dado;?N?o descerias tanto entre as mulheres,?Seria mais humano o teu peccado.
Porém, embora a tua falta aponte,?P'ra mim és a que foste (ou que eu suppuz);?O sol desapparece no horisonte?--E a gente vê-o ainda a dar-nos luz...
Póde a desgra?a erguer em frente
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