Luar de Janeiro | Page 7

Augusto Gil
heroico intuito de escalar o
ideal...
Mas o idealismo é como a nevoa ondeante
Que os rios erguem pela
madrugada;
O olhar destingue-a, quando está distante,
E da que nos
rodeia--não vê nada...
De que serve afinal tentar a gente
Reter, dentro das mãos, fumo de
palha,
Se aqui, aos nossos olhos, no existente,
Ha tanta coisa que os
attráia e valha?...
A agua vinda neste vaso fragil
Que um ignorado artista modelou

Num gesto--já mechanisado e agil--
Á força d'imitar o que encontrou,
É um assunto cheio de belleza,
Cheio de claro e alto ensinamento.


Assim na branda fala portuguêsa
O désse eu, como o tenho em
pensamento!...
A agua é como a esp'rança
Que a tudo se sujeita...
Onde quer que se
deita
Lá fica humildemente acommodada,
Seja a concha da mão
duma creança,
Ou a taça lendaria da ballada...
Tanto sacia
Num vaso tyrrêno dos da antiga Roma
(Que um só
valia
O rútilo oiro d'avaro banqueiro)
Como a que se toma
Na
argilla porosa,
Alegre trabalho dum simples oleiro...
E é
Até
Bem mais saborosa
No barro suarento
Deixado á janella,

Que num opulento
Copo lavrado
Que seja pertença de rica
baixella
E sonho gentil, cinzel phantasista
Dalgum grande artista

Dos raros d'agora, ou do tempo afastado...
Bichos humanos, féras em pé,
Sêde bondosos como a agua o é...
No luzente alcantil da magnitude,
Ou no áspero declive da pobreza,

Nunca cerreis o espirito á virtude,
Nunca fecheis os olhos á belleza.

Que todo o coração,
Desde o sabio de genio ao cavador,
Seja o
Calix de paz e de perdão
Contendo a agua limpida e lustral
Dum
irmanado e perpetuo amôr...
Agua que limpe a mácula do mal
E mitigue a miseria, a ancia, a
magua
Desta cruenta e impiedosa guerra
Em que tantas creaturas se
consomem.
Nem só da agua
Que vem da terra
Tem sêde o homem...
Nasce uma fonte
Rumurejante
Na encosta dum monte;
E mal que do seio
Da terra brotou,
Logo o seu veio

Transparente

E diligente
Buscou e achou
Mais baixo logar...
E sempre descendo,
E sempre a cantar,
Vae andando,
Galgando,


Vencendo,
(Ou tenta vencer...)
Folha, raíz, areia, o que tolher
A
sua descida...
Ao brotar da dura frágoa
--É uma lagrima d'agua...
Mas esse humilde fiozinho,
Que um destino bom impelle,
Encontra
pelo caminho
Um outro que é como elle...
Reunem-se, fundem-se os dois,
Proseguem de companhia,
E fica
dupla depois
A força que os leva e guia...
Junta-se aos dois um terceiro,
Outros confluindo vão,
E o regato é
já ribeiro
E o ribeiro é rio então...
E nada agora o domina
Ao fiozinho da fonte.
Entre collina e collina,

Ou entre um monte e outro monte,
Caminha sem descançar,
Circula atravez do mundo
--Até á beira do
mar
Omnipotente e profundo...
Da altura em que estejaes (ou vos pareça;
A vaidade é uma amante
enganadora)
Que o mais alto de vós se humilhe e desça
Como se
humilde e pobre sempre fôra...
E que os demais desçam tambem de todo
O orgulho e mando sobre
escravas gentes
Até ao valle, de lagrimas e lôdo
Onde a miseria
brada e range os dentes.
E como as aguas que se vão juntando
E juntas, e cantando, vão
descendo,
Reuni o choro derramado, quando
Atravessardes esse
valle horrendo.
E o atoleiro que se havia feito
No val, dantesco, pútrido, sombrio,

Mudar-se-ha no irrigante leito
Dum fertilisador e claro rio;
E o rio, andando, andando, hade alargar
--Com biliões de lagrimas

vertidas--
Num infinito e luminoso mar
De novas e amplas e
cantantes vidas!
Outubro de 1909.
INDICE
Prefacio
Dedicatoria
Luar de Janeiro
Sextilhas a um menino Jesus
d'Evora
Ballada da Neve
Toada para as mães acalentarem os filhos

O nosso lar
O que o fogo poupou dum poemeto queimado

Melodia confidencial
O passeio de Santo Antonio
Um grão de
incenso
A máscara
In promptum pastoral
Meditações sobre
themas do Ecclesiastes
A canção das perdidas
Carta a um rapaz
sentimental
Mãos frias coração quente
Noiva
De profundis
clamavi ad te domine
Joanninha
Quando as andorinhas partiam
A
parábola do pucaro d'agua
Acabado de imprimir aos trinta e um de dezembro de 1909 em Lisboa,
na Typographia do Commercio, Rua da Oliveira, 10, ao Carmo.
End of the Project Gutenberg EBook of Luar de Janeiro, by Augusto
Gil
0. END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK LUAR DE
JANEIRO ***
0. This file should be named 17962-8.txt or 17962-8.zip *****
This and all associated files of various formats will be
found in:
. http://www.gutenberg.org/1/7/9/6/17962/

Produced by Rita Farinha and the Online Distributed
Proofreading
Team at http://www.pgdp.net
(This file was
produced from images
generously made available by National
Library of Portugal
(Biblioteca Nacional de Portugal).)
Updated editions will replace the previous one--the old editions will be
renamed.

Creating the works from public domain print editions means that no
one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
(and you!) can copy and distribute it in the United States without
permission and without paying copyright royalties. Special rules, set
forth in the General Terms of Use part of this license, apply to copying
and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to protect the
PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you charge
for the eBooks, unless you receive specific permission. If you do not
charge anything for copies of this eBook, complying with the rules is
very easy. You may use this eBook for nearly any purpose such as
creation
Continue reading on your phone by scaning this QR Code

 / 11
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.