Livro de Mágoas | Page 4

Florbela Espanca
dor a sós
comigo,
E não rias assim!... Ó vento, chora!
Que eu bem conheço, amigo, esse fadário
Do nosso peito ser como
um Calvário,
E a gente andar a rir p'la vida fora!!...
*Tédio*

TÉDIO
Passo pálida e triste. Oiço dizer
«Que branca que ela é! Parece
morta!»
E eu que vou sonhando, vaga, absorta,
Não tenho um gesto,
ou um olhar sequer...
Que diga o mundo e a gente o que quiser!
--O que é que isso me
faz?... O que me importa?...
O frio que trago dentro gela e corta

Tudo que é sonho e graça na mulher!
O que é que isso me importa?! Essa tristeza
É menos dor intensa que
frieza,
É um tédio profundo de viver!
E é tudo sempre o mesmo, eternamente...
O mesmo lago plácido,
dormente...
E os dias, sempre os mesmos, a correr...
*A minha Tragédia*
A MINHA TRAGÉDIA
Tenho ódio à luz e raiva à claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.

Parece que a minh'alma é perseguida
Por um carrasco cheio de
maldade!
Ó minha vã, inútil mocidade
Trazes-me embriagada, entontecida!...

Duns beijos que me deste, noutra vida,
Trago em meus lábios roxos, a
saudade!...
Eu não gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o
segredo
De não amar ninguém, de ser assim!
Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida
borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim!...
*Sem remédio*
SEM REMÉDIO

Aqueles que me têm muito amor
Não sabem o que sinto e o que sou...

Não sabem que passou, um dia, a Dor,
À minha porta e, nesse dia,
entrou.
E é desde então que eu sinto este pavor,
Este frio que anda em mim, e
que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por
onde ando e onde vou!!
Sinto os passos da Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é
demência!
Que é já vontade doida de gritar!
E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,
A mesma angústia funda,
sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!...
*Mais triste*
MAIS TRISTE
É triste, diz a gente, a vastidão
Do Mar imenso! E aquela voz fatal

Com que ele fala, agita o nosso mal!
E a Noite é triste como a
Extrema Unção!
É triste e dilacera o coração
Um poente do nosso Portugal!
E não
vêem que eu sou... eu... afinal,
A coisa mais magoada das que o
são?!...
Poentes d'agonia trago-os eu
Dentro de mim e tudo quanto é meu
É
um triste poente d'amargura!
E a vastidão do Mar, toda essa agua
Trago-a dentro de mim num Mar
de Mágoa!
E a Noite sou eu própria! A Noite escura!!
*Velhinha*
VELHINHA
Se os que me viram já cheia de graça
Olharem bem de frente para

mim,
Talvez, cheios de dor, digam assim:
«Já ela é velha! Como o
tempo passa!...»
Não sei rir e cantar por mais que faça!
Ó minhas mãos talhadas em
marfim,
Deixem esse fio d'oiro que esvoaça!
Deixem correr a vida
até ao fim!
Tenho vinte e três anos! Sou velhinha!
Tenho cabelos brancos e sou
crente...
Já murmuro orações... falo sozinha...
E o bando cor de rosa dos carinhos
Que tu me fazes, olho-os
indulgente,
Como se fosse um bando de netinhos...
*Em busca do Amor*
EM BUSCA DO AMOR
O meu Destino disse-me a chorar:
«Pela estrada da Vida vai andando;

E, aos que vires passar, interrogando
Acerca do Amor que hás-de
encontrar.»
Fui pela estrada a rir e a cantar,
As contas do meu sonho desfiando...

E noite e dia, à chuva e ao luar,
Fui sempre caminhando e
perguntando...
Mesmo a um velho eu perguntei: «Velhinho,
Viste o Amor acaso em
teu caminho?»
E o velho estremeceu... olhou... e riu...
Agora pela estrada, já cansados
Voltam todos p'ra traz, desanimados...

E eu paro a murmurar: Ninguém o viu!...»
*Impossível*
IMPOSSÍVEL
Disseram-me hoje, assim, ao ver-me triste:
«Parece Sexta-Feira de

Paixão.
Sempre a cismar, cismar, d'olhos no chão,
Sempre a pensar
na dor que não existe...
O que é que tem?! Tão nova e sempre triste!
Faça por 'star contente!
Pois então?!...»
Quando se sofre o que se diz é vão...
Meu coração,
tudo, calado ouviste...
Os meus males ninguém mos adivinha...
A minha Dor não fala, anda
sozinha...
Dissesse ela o que sente! Ai quem me dera!...
Os males d'Anto toda a gente os sabe!
Os meus... ninguém... A minha
Dor não cabe
Nos cem milhões de versos que eu fizera!...
ÍNDICE
Este livro
Vaidade
Eu...
Castelã da Tristeza
Tortura
Lágrimas
ocultas
Torre de névoa
A minha dor
Dizeres íntimos
As minhas
ilusões
Neurastenia
Pequenina
A maior tortura
A flor do sonho

Noite de saudade
Angustia
Amiga
Desejos vãos
Pior velhice

A um livro
Alma perdida
De joelhos
Languidez
Para quê?!

Ao vento
Tédio
A minha tragédia
Sem remédio
Mais triste

Velhinha
Em busca do amor
Impossível
ACABOU-SE DE IMPRIMIR ESTE LIVRO
NO MÊS DE
JUNHO DE 1919 NA
TIPOGRAFIA MAURÍCIO, RUA

DO
SALITRE, 102-A
LISBOA
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Espanca
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