dirigiu-se, ao longo do cemiterio, tambem para as
bandas de Cordova, mas por diverso atalho.
[1] Santarem.
[2] Governador do Districto de Saragoça.
[3] Principe real.
[4] O famoso templo de Mekka.
[5] Poema de trinta versos, muito usado entre os arabes, e que
correspondia de certo muilo ás nossas odes.
[6] Os reinos christãos além dos Pyreneus.
[7] Muulin significa o triste.
[8] Fakih ou faquir, especie de frade mendicante entre os musulmanos.
[9] Sotuko--o andar mais alto. Os nossos escriptores tomavam esta
palavra n'um sentido evidentemente errado, servindo-se delia para
indicar o aposento inferior ou térreo.
II
Nos paços de Azzahrat, o magnifico alcaçar dos kalifas de Cordova, ha
muitas horas que cessou o estrepito de uma grande festa. O luar de
noite serena d'abril bate pelos jardins que se dilatam desde o alcaçar até
o Guad-al-kébir, e alveja tremulo pelas fitas cinzentas dos caminbos
tortuosos, em que parecem enredados os bosquesinhos de arbustos, os
macissos de arvores silvestres, as veigas de flores, os vergeis
embalsamados, onde a larangeira, o limoeiro, e as demais arvores
fructiferas, trazidas da Persia, da Syria e do Cathay, espalham os
aromas variados das suas flores. Lá ao longe Cordova, a capital da
Hespanha mussulmana, repousa da lida diurna, porque sabe que
Abdu-r-rahman III, o illustre kalifa, véla pela segurança do imperio. A
vasta cidade repousa profundamente; e o ruído mal distincto que parece
revoar por cima della, é apenas o respiro lento dos seus largos pulmões,
o bater regular das suas robustas arterias. Das almadenas de seiscentas
mesquitas não soa uma unica voz de almuhaden, e os sinos das igrejas
mosarabes guardam tambem silencio. As ruas, as praças, os azokes, ou
mercados, estão desertos. Sómente o murmurio das novecentas fontes
ou banhos publicos, destinados ás abluções dos crentes, ajuda o
zumbido nocturno da sumptuosa rival de Bagdad.
Que festa fôra essa que expirára algumas horas antes de nascer a lua, e
de tingir com a brancura pallida de sua luz aquelles dois vultos enormes
de Azzahrat e de Cordova, que olhavam um para o outro, a cinco
milhas de distancia, como dois phantasmas gigantes involtos em largos
sudarios? Na manhan do dia que findára, Al-hakem, o filho mais velho
de Abdu-r-rahman, fôra associado ao throno. Os walis, wasires e
khatehs da monarchia dos Beni-Umeyyas tinham vindo reconhece-lo
Wali-al-ahdi; isto é, futuro kalifa do Andalús e do Moghreb. Era uma
idéa affagada longamente pelo velho principe dos crentes que se
realisára, e o jubilo de Abdu-r-rahman se havia espraiado n'uma dessas
festas, por assim dizer fabulosas, que só sabia dar no seculo decimo a
côrte mais polida da Europa, e talvez do mundo, a do soberano
sarraceno de Hespanha.
O palacio Merwan, juncto dos muros de Cordova, distingue-se á
claridade duvidosa da noite pelas suas fórmas macissas e rectangulares,
e a sua côr tisnada, bafo dos seculos que entristece e sanctifica os
monumentos, contrasta com a das cupulas aereas e douradas dos
edificios, com a das almadenas esguias e leves das mesquitas, e com a
dos campanarios christãos, cuja tez docemente pallida suavisa ainda
mais o brando raio de luar que se quebra naquelles estreitos pannos de
pedra branca, d'onde não se reflecte, mas cabe na terra preguiçoso e
dormente. Como Azzahrat e como Cordova, calado e apparentemente
tranquillo, o palacio Merwan, a antiga morada dos primeiros kalifas,
suscita idéas sinistras, emquanto o aspecto da cidade e da villa imperial
unicamente inspiram um sentimento de quietação e paz. Não é só a
negridão das suas vastas muralhas a que produz essa apertura do
coração que experimenta quem o considera assim solitario e carrancudo;
é tambem o clarão avermelhado que resumbra da mais alta das raras
frestas abertas na face exterior da sua torre albarran, a maior de todas as
que o cercam, a que atalaia a campanha. Aquella luz, no ponto mais
elevado do grande e escuro vulto da torre, é como um olho de demonio,
que contempla colerico a paz profunda do imperio, e que espera
ancioso o dia em que renasçam as luctas e as devastações de que por
mais de dois seculos fôra theatro o solo ensanguentado de Hespanha.
Alguem véla, talvez, no paço de Merwan. No de Azzahrat, posto que
nenhuma luz bruxulêe nos centenares de varandas, de miradouros, de
porticos, de balcões, que lhe arrendam o immenso circuito, alguem véla
por certo.
A sala denominada do Kalifa, a mais espaçosa entre tantos aposentos
quantos encerra aquelle rei dos edificios, devêra a estas horas mortas
estar deserta, e não o está. Dois lampadarios de muitos lumes pendem
dos artesões primorosamente lavrados, que, cruzando-se em angulos
rectos, servem de moldura ao almofadado de azul e ouro, que reveste as
paredes e o tecto. A agua de fonte perenne murmura cahindo n'um
tanque de marmore construido no centro do aposento, e no
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