Lendas e Narrativas | Page 3

Alexandre Herculano
hei-de eu comer, Brearte, se meu senhor D. Diogo est�� captivo de mouros, segundo resam as cartas que ora delle s?o vindas?"
"Mas seu resgate n?o �� a vossa mofina: dez mil pe?es e mil cavalleiros tendes na mesnada de Biscaia: vamos correr terras dos mouros: ser?o os captivos resgate de vosso pae."
"O perro d'elrei de Le?o fez sua paz com os c?es de Toledo: e s?o elles que tem preado meu pae. Os alcaides e potestades do rei tredo e vil n?o deixariam passar a boa hoste de Biscaia."
"Quereis v��s, senhor, um conselho, e n?o vos custar�� nem mealha?"
"Dize, dize l��, Brearte."
"Porque n?o ides �� serra procurar vossa m?e? Segundo ou?o contar aos velhos ella �� grande fada."
"Que dizes tu, Brearte? Sabes quem �� minha m?e, e que casta �� de fada?"
"Grandes historias tenho ouvido do que se passou certa noite n'este castello: ereis v��s pequenino, e eu ainda n?o era nado. Os porqu��s d'estas historias, isso Deus �� que o sabe."
"Pois dir-t'os-hei eu agora. Chega-te para c��, Brearte."
O pagem olhou de roda de si quasi sem o querer, e chegou-se para seu amo: era a obediencia, e ainda mais um certo arripio de medo, que o fazia chegar.
"V��s tu, Brearte, aquella fresta entaipada? Foi por alli que minha m?e fugiu. Como e porqu��, aposto que j�� t'o h?o contado?"
"Senhor, sim! Levou vossa irman comsigo..."
"Responder s�� ao que pergunto! Sei isso. Agora cal-te."
O pagem poz os olhos no ch?o, de vergonha; que era humildoso e de boa ra?a.
2
E o cavalleiro come?ou o seu narrar:
"Desde aquelle dia maldicto meu pae poz-se a scismar: e scismava e amesquinhava-se, perguntando a todos os monteiros velhos se porventura tinham lembran?a de haverem no seu tempo encontrado nas brenhas alguns medos ou feiticeiras. Aqui foi um n?o acabar de historias de bruxas e de almas penadas.
Havia muitos annos que meu senhor pae se n?o confessava: alguns havia tambem que estava viuvo sem ter enviuvado.
Certo domingo pela manhan nasceu o dia, alegre como se f?ra de paschoa; e meu senhor D. Diogo acordou carrancudo e triste como costumava.
Os sinos do mosteiro, l�� em baixo no valle, tangiam t?o lindamente que era um c��u aberto. Elle poz-se a ouvi-los, e sentiu uma saudade que o fez chorar.
"Irei ter com o abbade:"--disse elle l�� comsigo:--"quero-me confessar. Quem sabe se esta tristura ainda �� tenta??o de Satan��s?"
O abbade era um velhinho, sancto, sancto, que n?o o havia mais.
Foi a elle que se confessou meu pae. Depois de dizer mea culpa, contou-lhe ponto por ponto a historia do seu noivado.
"Ui! filho,"--bradou o frade--"fizeste maridan?a com uma alma penada!"
"Alma penada, n?o sei:"--tornou D. Diogo;--"mas era cousa do diabo."
"Era alma em pena: digo-t'o eu, filho:"--replicou o abbade.--"Sei a historia dessa mulher das serras. Est�� escripta ha mais de cem annos na ultima folha de um sanctoral godo do nosso mosteiro. Desmaios que te vem ao cora??o pouco me espantam. Mais que ancias e desmaios costumam roer l�� por dentro os pobres excommungados."
"Ent?o estou eu excommungado?"
"Dos p��s at�� �� cabe?a; por dentro e por f��ra; que n?o ha que dizer mais nada."
E meu pae, a primeira vez na sua vida, chorava pelas barbas abaixo.
O bom do abbade amimou-o como a uma crean?a, consolou-o como a um malaventurado. Depois poz-se a contar a historia da dama das penhas, que �� minha m?e ... Deus me salve!
E deu-lhe por penitencia ir guerrear os perros sarracenos por tantos annos quantos viv��ra em peccado, matando tantos delles quantos dias nesses annos tinham corrido. Na conta n?o entravam as sextas-feiras, dia da paix?o de Christo, em que seria irrever��ncia trosquiar a vil rel�� de agarenos, cousa neste mundo mui indecente e escusada.
Ora a historia da formosa dama das serras, de verbo ad verbum como estava na folha branca do sanctoral, resava assim, segundo lembran?as do abbade.
3
No tempo dos reis godos--bom tempo era esse!--havia em Biscaia um conde, senhor de um castello posto em montanha fragosa, cercado pelas encostas e quebradas de larguissimo soveral. No soveral havia todo o genero de ca?a, e Argimiro o Negro (assim se chamava o rico-homem) gostava, como todos os nobres bar?es de Hespanha, principalmente de tres cousas boas; da guerra, do vinho e das damas; mas ainda mais do que de tudo isso, gostava de montear.
Dama, possuia-a formosa, que era linda a condessa; vinho, n?o havia melhor adega que a sua; ca?a, era cousa que na selva n?o faltava.
Seu pae, que f?ra ca?ador e fragueiro, quando estava para morrer, chamou-o e disse-lhe:--"Has-de jurar-me uma cousa que n?o te custar�� nada."
Argimiro jurou que faria o que seu pae e senhor lhe ordenasse.
"�� que nunca mates fera em cama e com cria, seja urso, javal��, ou veado. Se assim o fizeres, Argimiro, nunca nas tuas selvas e devezas faltar�� em que exercites o mais nobre mister de um fidalgo. Al��m d'isso, se tu souberas o
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