Lendas e Narrativas | Page 5

Alexandre Herculano
triste.
[8] Fakih ou faquir, especie de frade mendicante entre os musulmanos.
[9] Sotuko--o andar mais alto. Os nossos escriptores tomavam esta palavra n'um sentido evidentemente errado, servindo-se delia para indicar o aposento inferior ou t��rreo.

II
Nos pa?os de Azzahrat, o magnifico alca?ar dos kalifas de Cordova, ha muitas horas que cessou o estrepito de uma grande festa. O luar de noite serena d'abril bate pelos jardins que se dilatam desde o alca?ar at�� o Guad-al-k��bir, e alveja tremulo pelas fitas cinzentas dos caminbos tortuosos, em que parecem enredados os bosquesinhos de arbustos, os macissos de arvores silvestres, as veigas de flores, os vergeis embalsamados, onde a larangeira, o limoeiro, e as demais arvores fructiferas, trazidas da Persia, da Syria e do Cathay, espalham os aromas variados das suas flores. L�� ao longe Cordova, a capital da Hespanha mussulmana, repousa da lida diurna, porque sabe que Abdu-r-rahman III, o illustre kalifa, v��la pela seguran?a do imperio. A vasta cidade repousa profundamente; e o ru��do mal distincto que parece revoar por cima della, �� apenas o respiro lento dos seus largos pulm?es, o bater regular das suas robustas arterias. Das almadenas de seiscentas mesquitas n?o soa uma unica voz de almuhaden, e os sinos das igrejas mosarabes guardam tambem silencio. As ruas, as pra?as, os azokes, ou mercados, est?o desertos. S��mente o murmurio das novecentas fontes ou banhos publicos, destinados ��s ablu??es dos crentes, ajuda o zumbido nocturno da sumptuosa rival de Bagdad.
Que festa f?ra essa que expir��ra algumas horas antes de nascer a lua, e de tingir com a brancura pallida de sua luz aquelles dois vultos enormes de Azzahrat e de Cordova, que olhavam um para o outro, a cinco milhas de distancia, como dois phantasmas gigantes involtos em largos sudarios? Na manhan do dia que find��ra, Al-hakem, o filho mais velho de Abdu-r-rahman, f?ra associado ao throno. Os walis, wasires e khatehs da monarchia dos Beni-Umeyyas tinham vindo reconhece-lo Wali-al-ahdi; isto ��, futuro kalifa do Andal��s e do Moghreb. Era uma id��a affagada longamente pelo velho principe dos crentes que se realis��ra, e o jubilo de Abdu-r-rahman se havia espraiado n'uma dessas festas, por assim dizer fabulosas, que s�� sabia dar no seculo decimo a c?rte mais polida da Europa, e talvez do mundo, a do soberano sarraceno de Hespanha.
O palacio Merwan, juncto dos muros de Cordova, distingue-se �� claridade duvidosa da noite pelas suas f��rmas macissas e rectangulares, e a sua c?r tisnada, bafo dos seculos que entristece e sanctifica os monumentos, contrasta com a das cupulas aereas e douradas dos edificios, com a das almadenas esguias e leves das mesquitas, e com a dos campanarios christ?os, cuja tez docemente pallida suavisa ainda mais o brando raio de luar que se quebra naquelles estreitos pannos de pedra branca, d'onde n?o se reflecte, mas cabe na terra pregui?oso e dormente. Como Azzahrat e como Cordova, calado e apparentemente tranquillo, o palacio Merwan, a antiga morada dos primeiros kalifas, suscita id��as sinistras, emquanto o aspecto da cidade e da villa imperial unicamente inspiram um sentimento de quieta??o e paz. N?o �� s�� a negrid?o das suas vastas muralhas a que produz essa apertura do cora??o que experimenta quem o considera assim solitario e carrancudo; �� tambem o clar?o avermelhado que resumbra da mais alta das raras frestas abertas na face exterior da sua torre albarran, a maior de todas as que o cercam, a que atalaia a campanha. Aquella luz, no ponto mais elevado do grande e escuro vulto da torre, �� como um olho de demonio, que contempla colerico a paz profunda do imperio, e que espera ancioso o dia em que renas?am as luctas e as devasta??es de que por mais de dois seculos f?ra theatro o solo ensanguentado de Hespanha.
Alguem v��la, talvez, no pa?o de Merwan. No de Azzahrat, posto que nenhuma luz bruxul��e nos centenares de varandas, de miradouros, de porticos, de balc?es, que lhe arrendam o immenso circuito, alguem v��la por certo.
A sala denominada do Kalifa, a mais espa?osa entre tantos aposentos quantos encerra aquelle rei dos edificios, dev��ra a estas horas mortas estar deserta, e n?o o est��. Dois lampadarios de muitos lumes pendem dos artes?es primorosamente lavrados, que, cruzando-se em angulos rectos, servem de moldura ao almofadado de azul e ouro, que reveste as paredes e o tecto. A agua de fonte perenne murmura cahindo n'um tanque de marmore construido no centro do aposento, e no topo da sala ergue-se o throno de Abdu-r-rahman, alcatifado dos mais ricos tapetes do paiz de Fars. Abdu-r-rahman est�� ahi s��sinho. O kalifa passeia de um para outro lado, com olhar inquieto, e de instante a instante p��ra e escuta, como se esperasse ouvir um ru��do longinquo. No seu gesto e meneios pinta-se a mais viva anciedade; porque o unico ru��do que lhe fere os ouvidos �� o dos
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