alevante, e rompa a trama urdida nas trévas. Este homem no caso presente sou eu. Para bem? Para mal?--N?o sei; mas sou! Sou eu que, venho revelar-te como se prepara a ruina do teu throno, e a destrui??o da tua dynastia."
"A ruina do meu throno?--gritou Abdur-r-rahman pondo-se em pé e levando a m?o ao punho da espada.--Quem, a n?o ser algum louco, imagina que o throno dos Beni-Umeyyas póde, n?o digo desconjunctar-se, mas apenas vacilar debaixo dos pés de Abdu-r-rahman? Quando, porém, falarás enfim claro, Al-muulin?"
E a colera e o despeito faiscavam-lhe nos olhos. Com a sua habitual impassibilidade o fakih proseguiu:
"Esqueces-te, kalifa, da tua reputa??o de prudencia e longanimidade. Pelo propheta! Deixa divagar um velho tonto como eu ... N?o!... Tens raz?o ... Basta! O raio que fulmina o cedro desce rapido do céu. Quero ser como elle ... Amanhan a estas horas o teu filho Abdallah ter-te-ha já privado da cor?a para a cingir na propria fronte, e o teu successor Al-hakem terá perecido sob um punhal d'assassino. Ainda te encolerisas? Foi acaso demasiado extensa a minha narrativa?"
"Infame!--exclamou Abdu-r-rahman--Hypocrita, que me tens enganado! Tu ousas calumniar o meu Abdallah? Sangue! Sangue ha-de correr, mas é o teu. Crias que com essas visagens d'inspirado, com esses trajos de penitencia, com essa linguagem dos sanctos poderias quebrar a affei??o mais pura, a de um pae? Enganas-te, Al-gafir! A minha reputa??o de prudente, verás que era bem merecida."
Dizendo isto o kalifa ergueu as m?os como quem ia a bater as palmas. Al-muulin interrompeu-o rapidamente, mas sem mostrar o menor indicio de perturba??o ou terror.
"N?o chames ainda os eunuchos; porque assim é que dás provas de que n?o a merecias. Conheces que me seria impossivel fugir. Para matar ou morrer sempre é tempo. Escuta, pois, o infame, o hypocrita até o fim. Acreditarias tu na palavra do teu nobre e altivo Abdallah? Bem sabes que elle é incapaz de mentir a seu amado pae, a quem deseja longa vida e todas as prosperidades possiveis."
O fakih desatára de novo n'um rir trémulo e hediondo. Metteu a m?o no peitilho da aljarabia e tirou uma a uma muitas tiras de pergaminho: p?-las sobre a cabe?a e entregou-as ao kalifa, que come?ou a lêr com avidez. A pouco e pouco Abdu-r-rahman foi empallidecendo, as pernas vergaram-lhe, e por fim deixou-se cahir sobre os coxins do throno, e cobrindo a cara com as m?os, murmurou:--"Meu Deus! porque te mereci isto!"
Al-muulin fitára nelle um olhar de girifalte, e nos labios vagueava-lhe um riso sardonico e quasi imperceptivel.
Os pergaminhos eram varias cartas dirigidas por Abdallah aos rebeldes das fronteiras do oriente, os Beni-Hafsun, e a diversos cheiks berebéres, dos que se haviam domiciliado na Hespanha, conhecidos pelo seu pouco affecto aos Beni-Umeyyas. O mais importante, porém, de tudo era uma extensa correspondencia com Umeyya-ibn-Ishak, guerreiro celebre e antigo alcaide de Santarem, que por graves offensas passára ao servi?o dos christ?os de Oviedo e Asturias com muitos cavalleiros illustres da sua clientela. Esta correspondencia era completa de parte a parte. Por ella se via que Abdallah contava n?o só com os recursos dos mussulmanos seus parciaes, mas tambem com importantes soccorros dos infiéis por interven??o de Umeyya. A revolu??o devia rebentar em Cordova pela morte de Al-hakem e pela deposi??o de Abdu-r-rahman. Uma parte da guarda do alca?ar de Azzahrat estava comprada. Al-barr, que figurava muito nestas cartas, seria o hadjeb ou primeiro ministro do novo kalifa. Alli se liam, emfim, os nomes dos principaes personagens implicados na revolta, e todas as circumstancias desta eram explicadas ao antigo alcaide de Santarém com aquella individua??o que nas suas cartas elle constantemente exigia. Al-muulin falára verdade: Abdu-r-rahman via despregar diante de si a longa teia da conspira??o, escripta com letras de sangue pela m?o de seu proprio filho.
Durante algum tempo o kalifa conservou-se como a estatua da d?r na postura que tomára. O fakih olhava fito para elle com uma especie de cruel complacencia. Al-muulin foi o primeiro que rompeu o silencio: o principe Beni-Umeyya, esse parecia ter perdido o sentimento da vida.
"é tarde:--disse o fakih.--Chegará em breve a manhan. Chama os eunuchos. Ao romper do sol a minha cabe?a pregada nas portas de Azzahrat deve dar testemunho da promptid?o da tua justi?a. Elevei ao throno de Deus a ultima ora??o, e estou apparelhado para morrer, eu o hypocrita, eu o infame, que pretendia lan?ar sementes de odio entre ti e teu virtuoso filho. Kalifa, quando a justi?a espera n?o s?o boas horas para meditar ou dormir."
Al-gafir retomava a sua habitual linguagem sempre ironica e insolente, e ao redor dos labios vagueava-lhe de novo o riso mal reprimido.
A voz do fakih despertou Abdu-r-rahman das suas tenebrosas cogita??es. Poz-se em pé. As lagrymas haviam corrido por aquellas faces, mas estavam enxutas. A procella de paix?es encontradas tumultuava lá dentro; mas o gesto
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