Improvisos de Bocage | Page 2

Manuel Maria de Barbosa du Bocage

offrece?
A terna, ausente Amada me apparece,
Em Ceo de Amores
eclipsando as Graças.
Ante a doce Visão, com que me enlaças,
(Já murcho, estéril já) meu
ser florece;
Mas súbito Fantasma eis desvanece
Chusma de
encantos, que em teu sonho abraças.
Croado de Cypreste o Desengano,
O meu nada me agoira... ó dor!
mais forte
Do que em seu gráo supremo o esforço humano!

Chorai, Piedade, e Amor, tão triste sorte,
Chorai: longe de Anália
expira Elmano;
Os que a Ternura unio desune a Morte.
+SONETO VI.+
Dura Filosofia audaz forceja
Por dar-me essencia nova ao
pensamento;
De bronze diz que forre o soffrimento,
E em brazas,
como em flores, manso esteja:
Diz, que, ó Leis de Zenôn [21], por vós me reja;
Que sabe do alto
Systema alto Portento:
«Os orgãos vivem, morre o sentimento,
«E
mudo, e frio, o coração caleja.»
Mas ah! Mais sabio que Zenôn o Eterno,
Fonte ás lágrimds deo, deo
fonte ao riso:
Co'a Lei das sensações meu ser govérno.
Se eu folgasse entre o mal que em mim diviso,
Na mente ousára unir
o horror do Inférno
Aos Sóes, de que se esmalta o Paraiso.
[21] Discipulo de Crates, e Fundador do Estoicismso, ou Seita dos
Estóicos. Quando o Homem crê visinhar com o seu Nada, (o Nada
Universal) as sombras, em que o envolvem, o abafão as suas paixões,
se rarefazem, e esvaecem aos lumes da Justiça, e do Desengano: ou já
lhe bróte sobrenaturalmente n'alma este fenómeno, ou já porque,
evaporado o amor proprio, attente mais nos outros que em si. Eu, talvez
nesse estado, ou não longe delle, confesso ingenuamente, que, pela
suavidade, e apuro do métro (nas composições lavradas com mais
desvélo, e mais gosto) pelas flores, pelos esmaltes Poéticos de que as
ameniza, e formosêa, (em especial as Báchicas) Belmiro está mui
sobranceiro aos Engenhos vulgares. A Razão me pede, que lhe honre o
mêrito; e o Coração, que lhe releve a, talvez, injustiça, com que
trabalhou remover-me de hum gráo, havido da Voz pública.
+SONETO VII.+
Agora que a seu lôbrego Retiro
Como que a baça Morte me
encaminha,
E o coração, que as ancias lhe adivinha,
Débil se ensaia

no final suspiro:
Musa de Elmano, e Musa de Belmiro,
Una-se a gloria sua á gloria
minha:
Meu nome aguarentou com voz mesquinha,
Eu justo ao seu
não fui, e a sê-lo aspiro.
Nem tu me esquecerás, Gastão cadente [22],
Lustroso apar do mim,
quando de chófre
Igneas canções brotei, c'um Deos na mente.
Abri, Verdade, abri teu áureo cófre:
Isto Elmano extrahio co'a mão
tremente
No sério ponto que illusões não sóffre.
[22] Se a locução, a fantasia, e o rhythmo caracterizão a mente Poética,
aponto D. Gastão Coutinho como dorade com estes thesoiros do
Espirito. Não sôa, como devêra, (e altamente) o louvor de Thomas
Antonio dos Santos, e Silva nos meus talvez ultimos versos, porque em
outros, de monção mais Febéa, e já divulgados, lhe teci elogios, em que
a fraterna amizade, que de muito nos liga, nada proferio avêsso á
justiça, e ao tom circunspecto do Discernimento.
+SONETO VIII.+
Não mais, ó Tejo meu, formoso, e brando,
Á márgem, fértil de gentis
verdores,
Terás d'alta Ulysséa hum dos Cantores,
[23] Suspiros no
áureo metro modulando.
Rindo não mais verá, não mais brincando
Por entre as Nynfas, e por
entre as Flores
O Côro divinal dos nús Amores,
Dos Zéfyros azues
o affavel Bando.
Co'a fronte já sem myrto, e já sem loiro,
O arrebata de rôjo a mão da
Sórte
Ao Clima salutar, e á márgem de oiro.
Ei-lo em Fragas de horror, sem luz, sem nórte;
Sôa daqui, dalli piado
Agoiro:
Sois vós, Desterro etérno, Ermos da Mórte!
[23] _Carmina Pastoris Siculi modulabor avenâ._

Virgil. Eclog. 10.
+SONETO IX.+
Nestóreos Dias, que sonhava Elmano,
Brilhantes de almos gostos, de
aurea Sorte,
Pomposa Fantasia, audaz Transporte,
As azas cerceai
do Orgulho insano.
Plano de hum Numen contradiz meu plano,
E quer que se esvaeça, e
quer que abórte:
Eis, eis palpita, precursor da Mórte,
No túmido
aneurisma o Desengano.
A Deos, ó Génios que Ulysséa admira:
(Cantor, que honrastes,
honrareis, Cantores)
Versos, prantos lhe dai, que Elmano expira.
Deixai-lhe a cinza em paz, fataes Amores;
E vós, do extincto Vate a
Campa, e Lyra,
[24] Virtudes, que exaltou, cobri de flores.
[24] Beneficencia, e Piedade, celebradas no Epicedio ao Marquez
d'Angeja.
_Ao Senhor Nuno Alvares Pereira Moniz._
+SONETO X.+
Co'a mente juvenil, sublime, alada
Sabes da térrea Mansão, Mansão
profana;
Introduzes, Moniz, a idéa ufana
Lá na de Sóes sem conto
Estancia ornada.
Já, de Lysia cantando a Historia honrada,
Sôas qual Grega Musa, ou
qual Romana;
Já, medrando nos Céos a força humana,
Teu Metro
creador faz Ente o Nada.
Nove Deosas louçãas, tres Deosas nuas
Te abrem thesoiros: cada qual
te admira
No verso graças mil, que fôrão suas.
Assás luzio teu Estro: a mais aspira;
E estranho não será que

substituas
A tuba de Marão de Flacco á Lyra.
Quero (se meus dias findarem) deixar huma prova do muito em que
tive, do muito que merecem os talentos de hum dos meus mais caros
Amigos.
_Ao súbito desastre de hum Poeta amado
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