Garatujas | Page 4

Joaquim de Melo Freitas
locanda
O _brocanteur_ terrivel, sanguinario

Agonisa n'um catre solitario
D'uma alcova minuscula, execranda.
Affinca as mãos convulso n'um rosario,
Ao ceu a vida, supplice,
demanda,
N'uma imagem de Christo veneranda
Crava os olhos de
abutre, de corsario.

Pois apesar das lagrimas-remorsos
Das victimas do seu medonho
trama
Ruins phantasmas de lividos escorços.
Nos paroxismos vende, além da cama,
O Christo a um judeu, e em
vis esforços
A alma entrega a Satan, que lh'a reclama.
*Paysagem*
O sol adormecera no horisonte;
As nuvens em retalhos somnolentos,

Parecem nos bisarros tons cinzentos
O grupo despenhado de
Phaetonte.
O riacho deslisa ao pé do monte
Em frequentes e turgidos lamentos;

A philomela ensina o canto aos ventos
No chorão, que murmura
junto á fonte.
A varzea rescende á larangeira!
Da cathedral nas frestas em ogiva

Um rancho d'andorinhas s'enfileira;
E nas trevas soluça a sombra esquiva
Do coveiro, que planta uma
roseira
Onde jaz a venal filha adoptiva.
*Vae victis*
(_Struggle for life_)
Rasga sacrilego a amplidão celeste
Um milhafre com azas
pardacentas
E a cotovia harmoniosa investe
Armando as garras
torpes e cruentas.
Negro como o lethargo do cypreste,
Rosna o vento nas franças
macillentas,
O sol dardeja n'um pallor agreste
Que enthusiasma as
nuvens corpolentas.
A luz crua p'lo espaço se derrama,
Engrossam os trovões em alcateia,

Rutila do corisco a alegre flamma.

A presa que o milhafre saboreia
É o emblema do fraco, o velho drama

Que o systhema do mundo patenteia.
*Episodio balnear*
N'uma _soirée_ heroica, ignea e linda
Jurára o fulvo Arthur até á
morte
Ser da formosa e pudibunda Olinda
Chumbando a ella p'ra
sempre a sua sorte.
Por ella ao inferno iria, o mar ainda
Beberia d'um trago! Ella é seu
norte,
Meiga estrella de lucido transporte,
Palpitante de rubra graça
infinda.
De manhã cêdo a nossa _Julieta_
Desce nas crespas vagas a
banhar-se
Mascarada n'um fato de baeta
E quando grita prestes a affogar-se,
Chega _Romeu_, exhibe uma
gorgeta,
Mas não vae lá, que teme constipar-se.
*Reischoffen*
_6 de Agosto de 1870._
Desfraldam-se estandartes e trombetas,
Ouve-se o crepitar da
espingarda;
Quando o canhão rouqueja á retaguarda
Scintilla a larga
messe das baionetas.
As coiraças protegem a vanguarda,
Dos capacetes poisam nas facetas

As crinas marciaes, vermelhas, pretas,
Com expressão terrivel e
galharda.
Bonnemain determina a voz de carga:
Os estribos telintam, fulge a
espada,
Debalde a morte os esquadrões embarga.
N'esta lucta cyclopica, gigante,
O exercito francez em retirada
Teve
assomos d'heroismo deslumbrante.

*Extra-muros*
NOTAS
No passeio publico
*Le roi fainéant*.--Allude-se a D. José. A contar de Clovis II até
Pepino o Baixo, os reis da dynastia merovingia são designados na
historia de França como reis _fainéants_, porque estiveram em
permanente tutela debaixo da auctoridade e poderio dos _Maires du
Palais_.
No passeio publico
*Lá te vaes Portugal agora á véla.*--Ao amanhecer d'um dos primeiros
dias do mez do Abril de 1777, arrancaram do pedestal da estatua
equestre o retracto do Marquez de Pombal, e em seu logar collocaram
as armas de Lisboa--o navio com os dois corvos proverbiaes na lenda
piedosa de S. Vicente. É tradicção que o Marquez disséra então com
acerado sarcasmo--Agora é que Portugal vae á véla--
Vide Latino Coelho--Historia Politica e Militar de Portugal no seculo
XVIII, pag. 168.
O marquez de Pombal
*Enterrar os mortos e cuidar dos vivos.*--Alguns attribuem o dito ao
illustre general Pedro d'Almeida, marquez de Alorna--(Ferdinand
Denis--Histoire du Portugal, pag. 353.)
Garibaldi
*Nostalgia.*--Veja-se Oliveira Martins==_Brasil E colonias

portuguezas_, pag. 86 e 87, sobre os diamantes do Jequitinhonha,==e
Leon Gozlan, no seu romance _Histoire d'une diamant_, pag. 53, que
diz n'uma bonita phrase encarecendo a difficuldade da pesquisa dos
diamantes, que _os seus cofres estão sellados com spatho, jaspe e
ferro_; e acerca das minas de Visapur, (Bedjapour) vejam-se as paginas

134 e seguintes. O _carat_ era a unidade de peso usada antes do
systema decimal para pesar os diamantes, as perolas e as pedras
preciosas, e era avaliada em quatro grãos, cerca de 22 centigrammas.
O Terremoto
*Boletim militar.*--O Marquez de Pombal contractára generaes
estrangeiros para a honrosa defeza do paiz, fortificára a fronteira, arcára
com a curia romana, tecera uma bem urdida rede diplomatica,
reconstituira o reino, e tinha deixado os cofres do estado repletos. Sob o
governo da rainha mentecapta o dinheiro gastou-se e o civismo como
que desapparecera no alçapão d'uma magica. Foi então que Santo
Antonio, que no tempo de D. Pedro II sentára praça e subira a major
(Oliveira Martins--Historia do Portugal, tom. 2.º, pag. 179) ascendeu ao
posto de tenente coronel. Ha poucos annos correu na imprensa o
celebre diploma, que concedeu tão exotica patente ao thaumaturgo.
INDICE
Voz no deserto
No passeio publico
Forget me not
Vendetta
Desditosa cecem
O marquez de Pombal
Abandonado
Garibaldi
Imprecação
O terremoto

Entre palmeiras
Nostalgia
No confessionario
Boletim militar
Taborda
Antonio Pedro
Mysterioso abysmo
Na floresta
O cão de bordo
No harem
Esculptura
Cavatina
No theatro anatomico
Epitaphio
Aquarella
Testamento
Barcarola
Bric-à-brac
Paysagem
Vae victis

Episodio balnear
Reischoffen
Extramuros
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Freitas
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