Galatéa | Page 8

António Joaquim de Carvalho
amigo, e bom Mestre, as s?s doutrinas?Tu com virtuoso exemplo, nos ensinas:?Tu semeas os campos de equidade,?Nós colhemos os fructos da piedade.
LAURINDO.
Huns para os outros sermos bons devemos:?Todos somos irm?os: de hum Pai nascemos:?Se hum errar, deve o outro encaminhallo:?Se hum cahir, deve o outro levantallo.
GALATéA.
Perdoa, que eu atalhe o teu conselho,?Proprio de hum Sábio, Virtuoso, e velho.?Dize, meu ácis, dize, por clemencia,?Qual foi a causa de t?o longa ausencia?
áCIS.
Foste tu: foi o amor, e foi o empenho?De trazer-te a Ovelhinha, a qual já tenho.?Ao casal ta levei; mas sem achar-te;?Pois vieste a buscar-me, eu vim buscar-te.
GALATéA.
Achaste a minha Ovelha! Ah! Onde estava??Bem que eu por ti nem della, me lembrava.
áCIS.
Visinhos campos, as distantes terras,?Amenos valles, escabrosas serras,?Tudo corri: examinei choupanhas,?Pobres Aldêas, rusticas cabanas.?Perguntei aos campinos, Lavradores:?Rebanhos espreitei: busco aos Pastores:?Todos dizem: "N?o vimos, n?o sabemos:?"Nem leve rasto dessa Ovelha temos.?Eu de perdê-la já desenganado,?De magoa afflicto, de buscar can?ado,?Voltar queria a ver teu lindo rosto;?Mas dava gosto a mim, e a ti desgosto:?Eu a dor da saudade em mim curava;?Mas na má nova, nova dor te dava.?Nisto pensava triste, e vacilante,?Quando escuto berrar pouco distante,?Parto, gyro, procuro, em v?o procuro:?Pois nada vejo: vejo hum bosque escuro,?Que o Sol formoso nunca vio por dentro:?Corro, o bosque examino; e lá no centro?Vejo hum pobre roupeiro esfrangalhado,?Dormindo, e a Ovelhinha preza ao lado.?Eu, que a vejo, e conhe?o, ó que alegria?Em teu obsequio a minha alma enchia!?Com lentos passos vou muito manso andando,?O sussurro das plantas receando,?Se bem que o vento amigo me valia;?Pois nem das folhas o brincar se ouvia.?Chego ao ladr?o: observo, que em socego?Dorme roncando: na Ovelhinha pego:?Sobre os hombros a ponho, e vim fugindo,?Do furto alegre, de alegria rindo.?Trepando huma deserta ribanceira,?Ou?o hum grito, ólho a traz, vejo á carreira?Seguindo-me a gritar o vil roupeiro:?"ó ladr?o! Larga a Ovelha! ó ratoneiro!?Eu, que vejo o meu credito infamado,?Páro, e com ira mostro-lhe o cajado.?Prudente parto: segue-me as pizadas:?Tor?o a vareda, corre-me ás pedradas.?Dellas me affasto; e por final prejecto.?Na leve funda grossa pedra metto.?Agito a funda: corro ent?o mais perto:?Desparo a pedra, no vil peiro acérto.?Fica o ladr?o sem tino: quer suster-se:?N?o póde: cahe: forceja para erguer-se:?Outra vez cahe de costas: vai rolando:?Péga-se ás pedras, mas em v?o pegando,?Que as mesmas pedras, em que busca abrigo?Ról?o sobre elle por maior castigo;?E despenhado assim pela barreira?Vai té parar na margem da ribeira.
GALATéA.
Ah! Que dizes! Mataste o desgra?ado?
áCIS.
N?o ficou morto, n?o, mas maltratado,?Eu vi... com quanta dor o estive vendo!?Cahio mortal; depois se ergueo gemendo.?Olhou-me ent?o com iras, e amea?os;?E trémulo partio com lentos passos.
GALATéA.
Tu, que es no cora??o manso cordeiro.?Hoje tornado em lobo carniceiro!
áCIS.
Eu cordeiro n?o sou; porém se o f?ra?Tornar-me em lobo foi preciso agora.
LAURINDO.
Castiga-nos o Ceo, se nos vingamos;?Mas tambem quer, que a vida defendamos.
áCIS.
Se mais piedade do ladr?o eu tinha,?Nem eu era já teu, nem tu já minha.
GALATéA.
Se a amavel vida o ímpio te roubava,?N'huma só morte duas mortes dava.
áCIS.
Esses extremos no meu peito os guardo?Para atear de amor o fogo, em que ardo.?Vamos, vamos, formosa Galatéa,?Alegrar com teu rosto a triste Aldêa:?A Aldêa, que por ti chorava agora,?Qual bom Filho, que a M?i perdida chora.
GALATéA.
Chora a Pátria, por mim? Quanta amizade?Devo aos bons, que se nutrem da piedade!
LAURINDO.
és bella, e inda mais bella por virtuosa;?Que a virtude inda a feia faz formosa.?Porém vê, que a Virtude cultivada,?Cresce, bem como a planta, que he regada;?Mas se falta a cultura, vai murchando;?E qual planta sem agua vai secando.?Hide: a ben??o do Ceo sobre vós des?a:?Aos vossos olhos branda relva cres?a;?E nella apascenteis grossas manadas?De prenhes vaccas gordas, e malhadas.?Tantas as cabras, tantos os cordeiros,?Que ench?o os valles, ench?o os oiteiros.?Hide, que he longe a Aldêa: hide, que he tarde:?O Ceo vos aben??e, o Ceo vos guarde.?A ben??o gere em vós dois bons Esposos,?Que fructos dêm ao Ceo, fructos ditosos.
áCIS.
Adeos, meu bom Pastor, meu caro amigo,?Gloria dos campos, deste povo abrigo.
GALATéA.
Essa ben??o do Ceo, que em nós desejas,?Sobre tudo, que he teu, sobre ti vejas.?ácis, vamos aqui pelo serrado,?Que he mais perto, he mais doce, e he povoado.
áCIS.
Vamos cortando por entre estas faias:?Dá cá a m?o: salta o rego: olha, n?o caias.?Tu saltas mais, do que eu: és bem ligeira!
GALATéA.
Se eu quiser n?o me apanhas na carreira.?Que far?o hoje ao ver-me de contentes?As amigas, visinhos, e os parentes,?Que ao vêrem-me vagar só sem conforto?Julgar-me-h?o morta, por julgar-te morto?
áCIS.
Se o bem nos foge, atêa-se o desgosto:?Torna o bem, morre o mal, renasce o gosto.?Tu verás nas Pastoras desgrenhadas?Olhos feridos, faces desmaiadas.?E ao ver-te, o riso, e pranto misturando,?Humas ás outras com prazer chamando:?Todas para te verem correm, vo?o:?Vivas, applausos pelos ares s??o.?Huma te beija a face alva, e rosada,?Que a faz com pranto seu rosa orvalhada.?Outra te enfeita as tran?as graciosas?De myrto, e cravo, de jasmins, e rosas.?Verás, que ao som das lyras vem cantar-te?A magoa de perder-te, o bem
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