Galatéa | Page 7

António Joaquim de Carvalho
de sangue da ferida?Cahe exhalando a preciosa vida.?Com vista incerta, os olhos vidracentos,?Trémula a voz, sem c?r, já sem alentos,?Exclama, em fim, nas m?os da morte feia:?"Valei-me, Ceos, adeos ó Galatéa.?E soltando hum suspiro, os olhos serra:?Ferindo as plantas, magoando a terra.?Oh Deoses! Inda incerta esta desgra?a;?He qual farp?o, que o peito me traspassa;?E se he certa, mandai, que a dura morte?Sobre mim venha, e descarregue o corte:?Morreo ácis por mim, por elle eu morra:?Qual do seu, do meu peito o sangue corra:
LAURINDO.
Misera Galatéa enchuga o pranto,?Que hum sonho falso n?o provoca a tanto.
GALATéA.
Este sonho, a demora, e Polyfemo,?Tudo me assusta, e a desgra?a temo.
LAURINDO.
O sonho intimidar-me n?o devia?Por ser falsa illus?o da fantasia.?Do Pastor a demora, que te assusta,?Tambem póde nascer de causa justa.?Se temes Polyfemo, o susto affasta:?Comigo vive, eu nunca o deixo, e basta.?E desde que o domei por teu respeito,?Tudo que eu mando, que elle fa?a, he feito.?Piza, piza, a teus pés essa agonia:?Faze, que a fonte com teu riso ria.
GALATéA.
Tu destróes em parte o meu desgosto;?Mas n?o consegues ver-me enchuto o rosto:?N?o: fazer que esta setta n?o me fira,?Só póde o meu Pastor. Ah! Quem o víra!?Só pódem os seus olhos engra?ados?Dar vista aos meus já cégos, e can?ados.?Mas temendo o rancor de Polyfemo,?As proprias sombras dessas plantas temo.
LAURINDO.
Do triste Polyfemo o rancor deixa:?Tu foste a causa, e só de ti te queixa.
GALATéA.
A causa fui! Eu sou féra impestada,?Que fizesse aquella alma invenenada?
LAURINDO.
A causa foste, sim, porque o amaste,?E por ácis, sem culpa, o desprezaste.
GALATéA.
Pelos Deoses do Olympo Soberano?Juro que nunca amei tal monstro insano.
LAURINDO.
Pois se he certo, que amor n?o lhe tiveste,?Porque falsas promessas lhe fizeste?
GALATéA.
Porque assim o meu ácis defendia?Da vingan?a, que o vil lhe promettia.
LAURINDO.
Ah! Pois quiz com violencia... ( que loucura!)?Gerar amor, que nasce da ternura!
GALATéA.
Sim, com rigor queria, que o amasse,?E que o meu peito ao meu Pastor fechasse.?Clamando irado assim: "Cruel Pastora,?"Tu desprezas soberba, a quem te adora??"és toda do teu ácis? Pois discorre,?"Que ou tu has de ser minha, ou ácis morre.?"Dize, resolve já, ou vou matallo;?"E o cora??o aos olhos teus mostrallo.?Eu ante o monstro vil de crueldade,?Que n?o cede á raz?o, nem á piedade,?Rogo-lhe compaix?o: n?o se enternece:?Choro humilde a seus pés: mais se embravece.?Eu delirava neste lance forte?De dar ao triste a vida, ou dar-lhe a morte.?ácis morrer por mim, sendo innocente!?N?o, por livrallo fiz-me delinquente.?Com o tyranno usei de idéas novas?Para dar-lhe de amor fingidas provas;?Mas o meu firme peito era impossivel,?Que abrisse a porta aquelle bruto horrivel.?Se nisto te aggravei, ácis desculpa;?Se eu delinquente fui, foi tua a culpa.
LAURINDO.
Nao chores, virtuosa Galatéa:?De ti fazia mui diversa idéa;?Bem que eu n?o sigo as linguas venenosas,?Que as mulheres só trat?o de aleivosas:?Sei, que muitas o s?o, sim, n?o duvido,?Pelos casos, que vejo, e tenho ouvido;?Mas contem-se as trai??es d'ellas, e d'elles,?Se acharem nellas mil, ha dez mil nelles.?Tu, exemplar Pastora, mostrar queres,?Que és a gloria, o modelo das mulheres:?Que os falsos homens pódes doutrinallos;?E com teu mesmo exemplo envergonhallos.?Vai-te em paz, vai guardar teu manso gado:?Do teu ácis feliz dá-me o cuidado,?Que eu hirei procurallo: em mim confia,?Que hei de tornar-te a noite em claro dia.
GALATéA.
Ah piedoso Laurindo! Se tal fazes,?A hum corpo morto nova vida trazes.
áCIS.
Que triste vejo a serra, o valle, o monte!?O rio pasma, corre turva a fonte.?Sim, sem a minha amavel Galatéa?A clara luz do Sol he triste, e feia.?Mas onde te acharei, gentil Pastora,?Para clamar ent?o: já vejo a Aurora!?Aves, tornais o canto em agonia?Porque vos falta a Mestra d'harmonia??O Ceo com ella adoce o meu tormento,?Tereis nova li??o, e eu novo alento,?Mas ah! Que vejo! Que gentil Pastora??Parece Galatéa! Oh feliz hora!?N?o, n?o me enganes, lisongeira idéa.?N'altura... em trage... em gesto... he Galatéa,?Que está banhando em pranto o lindo rosto:?Eu corro, eu vou tornar-lhe a magoa em gosto.
GALATéA.
ácis, se és vivo, sorte igual n?o tive.
áCIS.
Inda o teu ácis dos teus olhos vive.
GALATéA.
Ah! Que vejo! ácis! Ceos! Será mentira?
áCIS.
He verdade; o teu ácis sou: respira.
GALATéA.
Oh Providentes Ceos! Deoses Clementes,?Que assim curais as chagas dos viventes.
áCIS.
Tu choras! He de gosto, ou de agonia?
GALATéA.
Chorei de magoa, agora de alegria.
áCIS.
Tu choravas por mim! Mere?o eu tanto?
GALATéA.
Vê bem o estrago, que em mim fez o pranto.?Estes olhos, que tu chamavas bellos,?Hoje magoados fugirás de vêllos.
áCIS.
Assim mesmo s?o dois lindos diamantes,?Quie inda eclipsados, sempre s?o brilhantes.?Mas dize, Galatéa, que motivo?Acendeo esse fogo, t?o activo?
GALATéA.
A ausencia de tres dias (longos dias!)?De lagrimas, de sustos, de agonias;?E mais que tudo hum sonho feio, horrivel,?Que o n?o matar-me, n?o parece crivel:?Sonho cruel, que me pintou na idéa?A desgra?a maior, scena mais feia:?Que o monstro Polyfemo te arrancára?A amavel vida, que esta vida ampara.
áCIS.
E credito lhe déste, sendo esperta?
GALATéA.
Sim, que a má nova quasi sempre he certa.
LAURINDO.
Se eu n?o corro a tiralla da vareda,?N'algum despenhadeiro achava a queda.
GALATéA.
Laurindo nos meus males tomou parte,?E até por compaix?o quiz ir buscar-te.
áCIS.
Bom
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