uma senhora, está uma
senhora... (áparte) Uma senhora aquella... pobre menina!
*Magdalena*, com as lagrymas nos olhos. Es muito amigo d'ella,
Telmo?
*Telmo*. Se sou! Um anjo como aquelle... uma viveza, um espirito!...
e então que coração!
*Magdalena*. Filha da minha alma! (pausa:--mudando de tom) Mas
olha, meu Telmo, tórno a dizer-t'o: eu não sei como heide fazer para te
dar conselhos. Conheci-te de tam criança, de quando casei a... a... a
primeira vez--costumei-me a olhar para ti com tal respeito: ja então eras
o que hoje es, o escudeiro valido, o familiar quasi parente, o amigo
velho e provado de teus amos.
*Telmo*, internecido. Não digaes mais, senhora, não me lembreis de
tudo o que eu era.
*Magdalena*, quasi offendida. Porquê? não es hoje o mesmo, ou mais
ainda, se é possivel? Quitaram-te alguma coisa da confiança, do
respeito--do amor e carinho a que estava costumado o aio fiel de meu
senhor D. João de Portugal, que Deus tenha em glória?
*Telmo*, áparte. Terá...
*Magdalena*. O amigo e camarada antigo de seu pae?
*Telmo*. Não, minha senhora, não, por certo.
*Magdalena*. Então?...
*Telmo*. Nada. Continuae, dizei, minha senhora.
*Magdalena*. Pois está bem.--Digo que mal sei dar-vos conselhos, e
não queria dar-vos ordens... Mas, meu amigo, tu tomáste--e com muito
gôsto meu e de seu pae, um ascendente no espirito de Maria... tal que
não ouve, não cre, não sabe senão o que lhe dizes. Quasi que es tu a sua
donna, a sua aia de criação.--Parece-me... eu sei... não falles com ella
d'esse modo, n'essas coisas...
*Telmo*. O quê? No que me disse o inglez, sôbre a sagrada Escriptura
que elles lá teem em sua lingua, e que?...
*Magdalena*. Sim... n'isso decerto... e em tantas outras coisas tam altas,
tam fóra de sua edade, e muitas do seu sexo tambem, que aquella
criança está sempre a querer saber, a perguntar.--É a minha unica filha:
não tenho... nunca tivemos outra... e, além de tudo o mais, bem ves que
não é uma criança... muito... muito forte.
*Telmo*. É... delgadinha, é. Hade inrijar. É tê-la por aqui, fóra
d'aquelles ares apestados de Lisboa; e deixae, que se hade pôr outra.
*Magdalena*. Filha do meu coração!
*Telmo*. E do meu.--Pois não se lembra, minha senhora, que ao
principio, era uma criança que eu não podia...--é a verdade, não a podia
ver: ja sabereis porquê... mas vê-la, era ver... Deus me perdoe!... nem
eu sei...--E d'ahi começou-me a crescer, a olhar para mim com aquelles
olhos... a fazer-me taes meiguices, e a fazer-se-me um anjo tal de
formosura e de bondade, que--vêdes-me aqui agora que lhe quero mais
do que seu pae.
*Magdalena*, surrindo. Isso agora!...
*Telmo*. Do que vós.
*Magdalena*, rindo. Ora, meu Telmo!
*Telmo*. Mais, muito mais. E veremos: tenho ca uma coisa que me diz
que antes de muito se hade ver quem é que quer mais á nossa menina
n'esta casa.
*Magdalena*, assustada. Está bom; não entremos com os teus agouros
e prophecias do costume: são sempre de aterrar... Deixemo'-nos de
futuros...
*Telmo*. Deixemos, que não são bons.
*Magdalena*. E de passados tambem...
*Telmo*. Tambem.
*Magdalena*. E vamos ao que importa agora.--Maria tem uma
comprehensão...
*Telmo*. Comprehende tudo!
*Magdalena*. Mais do que convem.
*Telmo*. Ás vezes.
*Magdalena*. É preciso moderá-la.
*Telmo*. É o que eu faço.
*Magdalena*. Não lhe dizer...
*Telmo*. Não lhe digo nada que não possa, que não deva saber uma
donzella honesta e digna de melhor... de melhor.
*Magdalena*. Melhor quê?
*Telmo*. De nascer em melhor estado.--Quizestes ouvi-lo... está ditto.
*Magdalena*. Oh Telmo! Deus te perdoe o mal que me fazes. (_Desata
a chorar_.)
*Telmo*, ajoelhando e beijando-lhe a mão. Senhora... senhora D.
Magdalena, minha ama, minha senhora... castigae-me... mandae-me ja
castigar, mandae-me cortar ésta lingua pêrra que não toma insino.--Oh
senhora, senhora!... é vossa filha, é a filha do senhor Manuel de
Sousa-Coutinho, fidalgo de tanto primor, e de tam boa linhagem como
os que se teem por melhores n'este reino, em toda Hespanha... A
senhora D. Maria... a minha querida D. Maria é sangue de Vilhenas e
de Sousas; não precisa mais nada, mais nada, minha senhora, para ser...
para ser...
*Magdalena*. Calae-vos, calae-vos, pelas dores de Jesus Christo,
homem.
*Telmo*, soluçando. Minha ricca senhora!...
*Magdalena*, inchuga os olhos, e toma uma attitude grave e firme.
Levantae-vos, Telmo, e ouvi-me. (Telmo levânta-se) Ouvi-me com
attenção. É a primeira e será a última vez que vos fallo d'este modo e
em tal assumpto.--Vós fostes o aio e amigo de meu senhor... de meu
primeiro marido, o senhor D. João de Portugal; tinheis sido o
companheiro de trabalho e de glória de seu illustre pae, aquelle nobre
conde de Vimioso, que eu de tamanhinha me acostumei a reverenciar
como pae. Entrei depois n'essa familia de tanto respeito; achei-vos
parte d'ella, e quasi que vos tomei a mesma amizade que aos
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