Frei Luiz de Sousa
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Title: Frei Luiz de Sousa
Author: Almeida Garrett
Release Date: January 23, 2006 [EBook #17591]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
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DE SOUSA ***
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[Figura: EDUARDO BRAZÃO, interprete principal de «Frei Luiz de
Souza»]
ALMEIDA GARRETT
FREI LUIZ DE SOUSA
DRAMA
_Representado, a primeira vez, em Lisboa, por uma sociedade
particular, no theatro de quinta do Pinheiro em quatro de Julho de_
MDCCCXLIII
ESCRIPTORIO DE PUBLICAÇÕES DE FERREIRA DOS SANTOS
Rua de Santa Catharina, 231
PORTO
Imprensa Commercial--Rua da Conceição, 29 a 37
PESSOAS
MANUEL (FREI LUIZ) DE SOUSA DONA MAGDALENA DE
VILHENA DONA MARIA DE NORONHA FREI
JORGE-COUTINHO O ROMEIRO TELMO-PAES O PRIOR DE
BEMFICA O IRMÃO CONVERSO MIRANDA O ARCEBISPO DE
LISBOA DOROTHEA
CÔRO DE FRADES DE SAN'DOMINGOS
Clerigos do arcebispo, frades, criados, etc.
Logar da scena--Almada.
ACTO PRIMEIRO
_Camera antiga, ornada com todo o luxo e caprichosa elegancia
portugueza dos principios do seculo dezasette: porcelanas, xarões,
sedas, flores, etc. No fundo duas grandes janellas rasgadas, dando para
um eirado que olha sôbre o Tejo e de donde se ve toda Lisboa: entre as
janellas o retratto, em corpo inteiro, de um cavalleiro môço vestido de
preto com a cruz branca de noviço de S. João de Jerusalem.--Defronte e
para a bôcca da scena um bufete pequeno coberto de ricco panno de
velludo verde franjado de prata; sôbre o bufete alguns livros, obras de
tapeçaria meias-feitas, e um vaso da China de collo alto, com flores.
Algumas cadeiras antigas, tamboretes razos, contadores. Da direita do
espectador, porta de communicação para o interior da casa, outra da
esquerda para o exterior.--É no fim da tarde_.
SCENA I
MAGDALENA so, sentada junto á banca, os pés sôbre uma grande
almofada, um livro aberto no regaço, e as mãos cruzadas sôbre elle,
como quem descahiu da leitura na meditação.
*Magdalena*, repettindo machinalmente e de vagar o que acaba de
ler.
«N'aquelle ingano d'alma ledo e cego Que a fortuna não deixa durar
muito...»
Com paz e alegria d'alma... um ingano, um ingano de poucos instantes
que seja... deve de ser a felicidade suprema n'este mundo.--E que
importa que o não deixe durar muito a fortuna? Viveu-se, póde-se
morrer. Mas eu!... (pausa) Oh! que o não saiba elle ao menos, que não
suspeite o estado em que eu vivo... este medo, estes continuos terrores
que ainda me não deixaram gozar um so momento de toda a immensa
felicidade que me dava o seu amor.--Oh que amor, que felicidade... que
desgraça a minha! (Torna a descahir em profunda meditação: silencio
breve.)
SCENA II
MAGDALENA, TELMO-PAES
*Telmo*, chegando aopé de Magdalena que o não sentiu entrar. A
minha senhora está a ler?...
*Magdalena*, despertando. Ah! sois vós, Telmo... Não, ja não leio: ha
pouca luz de dia ja; confundia-me a vista.--E é um bonito livro este! o
teu valido, aquelle nosso livro, Telmo.
*Telmo*, deitando-lhe os olhos. Oh, oh! Livro para damas--e para
cavalleiros... e para todos: um livro que serve para todos; como não ha
outro, tirante o respeito devido ao da Palavra de Deus! Mas esse não
tenho eu a consolação de ler, que não sei latim como meu senhor...
quero dizer, como o senhor Manuel de Sousa-Coutinho--que lá isso!...
acabado escholar é elle. E assim foi seu pae antes d'elle, que muito bem
o conheci: grande homem! Muitas lettras e de muito galante prática--e
não somenos as outras partes de cavalleiro: uma gravidade!... Ja não ha
d'aquella gente.--Mas, minha senhora, isto de a Palavra de Deus estar
assim n'outra lingua, n'uma lingua que a gente... que toda a gente não
intende!... confesso-vos que aquelle mercador inglez da rua-Nova, que
aqui vem ás vezes, tem-me ditto suas cousas que me quadram... E Deus
me perdoe! que eu creio que o homem é hereje d'esta seita nova
d'Allemanha ou d'Inglaterra. Será?
*Magdalena*. Olhae, Telmo; eu não vos quero dar conselhos: bem
sabeis que desde o tempo que... que...
*Telmo*. Que ja lá vai, que era outro tempo.
*Magdalena*. Pois sim... (suspira) Eu era uma criança; pouco maior
era que Maria.
*Telmo*. Não, a senhora D. Maria ja é mais alta.
*Magdalena*. É verdade, tem crescido de mais, e derepente n'estes dois
mezes ultimos...
*Telmo*. Então! Tem treze annos feitos, é quasi
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