Frei Luiz de Sousa | Page 4

Almeida Garrett
imminente s?bre a nossa familia... n?o ves que estás excitando com tudo isso a curiosidade d'aquella crian?a, agu?ando-lhe o espirito--ja tam perspicaz!--a imaginar, a descobrir... quem sabe se a accreditar n'essa prodigiosa desgra?a em que tu mesmo... tu mesmo... sim, n?o cres devéras? N?o cres, mas achas n?o sei que doloroso prazer em ter sempre viva e suspensa essa dúvida fatal. E ent?o considera, ve: se um terror similhante chega a entrar n'aquella alma, quem lh'o hade tirar nunca mais?... O que hade ser d'ella e de nós?--N?o a perdes, n?o a mattas... n?o me mattas a minha filha?
*Telmo*, _em grande agita??o durante a falla precedente, fica pensativo e aterrado: falla depois como para si_. é verdade que sim! A morte era certa.--E n?o hade morrer: n?o, n?o, n?o, tres vezes n?o. (_Para Magdalena_) á fe de escudeiro honrado, senhora D. Magdalena, a minha b?cca n?o se abre mais; e o meu espirito hade... hade fechar-se tambem... (á parte) N?o é possivel, mas eu heide salvar o meu anjo do ceu! (Alto para Magdalena) Está ditto, minha senhora.
*Magdalena*. Ora Deus t'o pague,--Hoje é o último dia de nossa vida que se falla em tal.
*Telmo*. O último.
*Magdalena*. Ora pois, ide, ide ver o que ella faz: (levantando-se) que n?o esteja a ler ainda, a estudar sempre. (Telmo vae a sahir) E olhae: chegae-me depois alli a San'Paulo, ou mandae, se n?o podeis...
*Telmo*. Ao convento dos Dominicos? Pois n?o posso!... quatro passadas.
*Magdalena*. E dizei a meu cunhado, a Frei Jorge-Coutinho, que me está dando cuidado a demora de meu marido em Lisboa; que me prometteu de vir antes de véspera, e n?o veiu; que é quasi noite, e que ja n?o estou contente com a tardan?a. (Chega á varanda, e olha para o rio) O ar está sereno, o mar tam quieto, e a tarde tam linda!... quasi que n?o ha vento, é uma vira??o que affaga... Oh e quantas faluas navegando tam garridas por esse Tejo! Talvez n'alguma d'ellas--n'aquella tam bonita--venha Manuel de Sousa.--Mas n'este tempo n?o ha que fiar no Tejo, d'um instante para o outro levanta-se uma nortada... e ent?o aqui o pontal de Cacilhas!--Que elle é tam bom mareante... Ora, um cavalleiro de Malta! (olha para o retratto com amor) N?o é isso o que me dá maior cuidado. Mas em Lisboa ainda ha peste, ainda n?o est?o limpos os ares... E ess'outros ares que por ahi correm d'estas altera??es públicas, d'estas malqueren?as entre castelhanos e portuguezes! Aquelle character inflexivel de Manuel de Sousa traz-me n'um susto contínuo.--Vai, vai a Frei Jorge, que diga se sabe alguma coisa, que me assocegue, se podér.
SCENA III
MAGDALENA, TELMO, MARIA
*Maria*, _entrando com umas flores na m?o, inc?ntra-se com Telmo, e o faz tornar para a scena_. Bonito! Eu ha mais de meia hora no eirado passeando--e sentada a olhar para o rio a ver as faluas e os bergantins que andam para baixo e para cima--e ja abhorrecida de esperar... e o senhor Telmo, aqui p?sto a conversar com minha m?e, sem se importar de mim!--Que é do romance que me promettestes? n?o é o da batalha, n?o é o que diz:
Postos est?o, frente a frente, Os dois valorosos campos;
é o outro, é o da ilha incoberta onde está elrei D. Sebasti?o, que n?o morreu e que hade vir um dia de névoa muito cerrada... Que elle n?o morreu; n?o é assim, minha m?e?
*Magdalena*. Minha querida filha, tu dizes coisas? Pois n?o tens ouvido, a teu tio Frei Jorge e a teu tio Lopo de Sousa, contar tantas vezes como aquillo foi? O povo coitado imagina essas chymeras para se consolar na desgra?a.
*Maria*. Voz do povo, voz de Deus, minha senhora m?e: elles que andam tam crentes n'isto, alguma coisa hade ser. Mas ora o que me dá que pensar é ver que, tirado aqui o meu bom velho Telmo, (_chêga-se toda para elle, acarinhando-o_) ninguem n'esta casa gosta de ouvir fallar em que escapásse o nosso bravo rei, o nosso sancto rei D. Sebasti?o.--Meu pae, que é tam bom portuguez, que n?o póde soffrer estes castelhanos, e que até ás vezes dizem que é demais o que elle faz e o que elle falla... em ouvindo duvidar da morte do meu querido rei D. Sebasti?o... ninguem tal hade dizer, mas p?e-se logo outro, muda de semblante, fica pensativo e carrancudo: parece que o vinha affrontar, se voltásse, o pobre do rei.--ó minha m?e, pois elle n?o é por D. Filippe; n?o é, n?o?
*Magdalena*. Minha querida Maria, que tu hasde estar sempre a imaginar n'essas coisas que s?o tam pouco para a tua edade! Isso é o que nos afflige, a teu pae e a mim; queria-te ver mais alegre, folgar mais, e com coisas menos...
*Maria*. Ent?o, minha m?e, ent?o!--Veem, veem?... tambem minha m?e n?o gosta. Oh! essa ainda é peor, que
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