agora deixae-me fallar.--Depois que fiquei so, depois d'aquella funesta jornada de Africa que me deixou viuva, orphan e sem ninguem... sem ninguem, e n'uma edade... com dezasette annos!--em vós, Telmo, em vós so, achei o carinho e protec??o, o amparo que eu precisava. Ficastes-me em logar de pae: e eu... salvo n'uma coisa!--tenho sido para vós, tenho-vos obedecido como filha.
*Telmo*. Oh minha senhora, minha senhora! mas essa coisa em que vos apartastes dos meus conselhos...
*Magdalena*. Para essa houve podêr maior que as minhas f?r?as... D. Jo?o ficou n'aquella batalha com seu pae, com a flor da nossa gente. (_Signal de impaciencia em Telmo_) Sabeis como chorei a sua perda, como respeitei a sua memoria, como durante sette annos, incredula a tantas provas e testimunhos de sua morte, o fiz procurar por essas costas de Berberia, por todas as sejanas de Fez e Marrocos, por todos quantos aduares de Alarves ahi houve... Cabedaes e valimentos, tudo se impregou; gastaram-se grossas quantias; os embaixadores de Portugal e Castella tiveram ordens apertadas de o buscar por toda a parte; aos padres da Redemp??o, a quanto religioso ou mercador podia penetrar n'aquellas terras, a todos se incommendava o seguir a pista do mais leve indício que podésse desmentir, p?r em dúvida ao menos, aquella notícia que logo viera com as primeiras novas da batalha de Alcacer. Tudo foi inutil; e a ninguem mais ficou resto de dúvida...
*Telmo*. Sen?o a mim.
*Magdalena*. Dúvida de fiel servidor, esperan?a de leal amigo, meu bom Telmo! que diz com vosso cora??o, mas que tem atormentado o meu...--E ent?o sem nenhum fundamento, sem o mais leve indício... Pois dizei-me em consciencia, dizei-m'o de uma vez, claro e desinganado: a que se apéga ésta vossa credulidade de sette... e hoje mais quatorze... vinte e um annos?
*Telmo*, gravemente. ás palavras, ás formaes palavras d'aquella carta escripta na propria madrugada do dia da batalha, e entregue a Frei Jorge que vo-la trouxe.--?Vivo ou morto?--resava ella--vivo ou morto... N?o me esqueceu uma lettra d'aquellas palavras; e eu sei que homem era meu amo para as escrever em v?o:--?Vivo ou morto, Magdalena, heide ver-vos pelo menos ainda uma vez n'este mundo.?--N?o era assim que dizia?
*Magdalena*, aterrada. Era.
*Telmo*. Vivo n?o veiu... inda mal!--E morto... a sua alma, a sua figura...
*Magdalena*, possuida de grande terror. Jesus, homem!
*Telmo*. N?o vos appareceu, decerto.
*Magdalena*. N?o: credo!
*Telmo*, mysterioso. Bem sei que n?o. Queria-vos muito; e a sua primeira visita, como de raz?o, seria para minha senhora. Mas n?o se ia sem apparecer tambem ao seu aio velho.
*Magdalena*. Valha-me Deus, Telmo! Conhe?o que desarrazoaes, e comtudo as vossas palavras mettem-me um medo... N?o me fa?aes mais desgra?ada.
*Telmo*. Desgra?ada! Porquê? n?o sois feliz na companhia do homem que amaes, nos bra?os do homem a quem sempre quizestes mais s?bre todos?--Que o pobre de meu amo... respeito, devo??o, lealdade, tudo lhe tivestes, como tam nobre e honrada senhora que sois... mas amor!
*Magdalena*. N?o está em nós da-lo, nem quitá-lo, amigo.
*Telmo*. Assim é. Mas os ciumes que meu amo n?o teve nunca--bem sabeis que têmpera d'alma era aquella--tenho-os eu... aqui está a verdade nua e crua... tenho-os eu por elle: n?o posso, n?o posso ver... e desejo, quero, forcejo por me acostumar... mas n?o posso. Manuel de Sousa... o senhor Manuel de Sousa-Coutinho é guapo cavalheiro, honrado fidalgo, bom portuguez... mas--mas n?o é, nunca hade ser, aquelle espelho de cavallaria e gentilleza, aquella flor dos bons... Ah meu nobre amo, meu sancto amo!
*Magdalena*. Pois sim, tereis raz?o... tendes raz?o, será tudo como dizeis. Mas reflecti, que haveis cabedal de intelligencia para muito:--eu resolvi-me por fim a casar com Manuel de Sousa; foi do apprazimento geral de nossas familias, da propria familia de meu primeiro marido, que bem sabeis quanto me estima; vivemos (_com affecta??o_) seguros, em paz e felizes... ha quatorze annos. Temos ésta filha, ésta querida Maria que é todo o g?sto e ancia da nossa vida. Aben?oou-nos Deus na formosura, no ingenho, nos dotes admiraveis d'aquelle anjo... E tu, tu, meu Telmo, que es tam seu, que chegas a pretender ter-lhe mais amor que nós mesmos...
*Telmo*. N?o, n?o tenho!
*Magdalena*. Pois tens: melhor.--E es tu que andas, continuamente e quasi por accinte, a sustentar essa chymera, a levantar esse phantasma, cuja sombra, a mais remota, bastaria para innodoar a pureza d'aquella innocente, para condemnar a eterna deshonra a m?e e a filha... (_Telmo dá signaes de grande agita??o_) Ora dize: ja pensastes bem no mal que estás fazendo?--Eu bem sei que a ninguem n'este mundo, sen?o a mim, fallas em taes coisas... fallas assim como hoje temos fallado... mas as tuas palavras mysteriosas, as tuas allus?es frequentes a esse desgra?ado rei D. Sebasti?o, que o seu mais desgra?ado povo ainda n?o quiz acreditar que morrêsse, por quem ainda espera em sua leal incredulidade!--esses continuos agouros em que andas sempre de uma desgra?a que está
Continue reading on your phone by scaning this QR Code
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the
Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.