Folhas cahidas, apanhadas na lama | Page 6

Camilo Castelo Branco
alcance?Que nas meias pontos dar!..
Eu por mim antes quizera?Nunca ter lido Camoens,?Nem romances d'uma tola,?Que vestir r?ta a ciroula,?Ou camisa sem botoens.
Accredito seja um dia?A mulher emancipada;?Ha-de ent?o ser regedora,?Escrivan, e contadora,?Eleitora, e deputada.
Nesse tempo, se existisses,?Tendo em vista essa pericia?Com que ostentas teu saber,?Que logar podias ter??Eras cabo de policia.
Tenho pena, quando penso?Que ser��s formosa e meiga,?E encontro os teus escriptos?Nos embrulhos dos palitos?Do toucinho, e da manteiga!
Faz-me d��, pois tu bem podes?Bordar len?os de cambraia?Com bonito _petit-point_;?E, n?o sendo aqui ninguem,?Podes, ser tudo na Maia.
EPISTOLA
AO VISCONDE DE QUEBRANTOENS.
Instrumento do ceo, desceste ao Porto,?Corajoso mancebo, que desandas?Nos borlistas fataes sopapo ingente!
Oppresso longo tempo, ahi gemera?Nas entalas crueis d'um camarote?O misero assignante! Amargo calix?Em silencio tragava, ouvindo os passos?Do acerbo massador, impio borlista!?As notas de Rossini eram-lhe espinhos,?As fusas de Bellini eram-lhe fusos?Que o intimo das visceras lhe espetam!?E os duetos em _f��_ do Machbet?Eram-lhe cantos de raivosas g��rgonas!
O ferro fez-lhe v��r visoens do inferno!?A propria Jeny-Lind se cantasse,?Nesse palco, talvez, aos olhos d'elle?N?o fosse mais gentil, que a _Cholera-morbus_[3]?�� que a larva immortal do pesadello,?A sombra do borlista ergue-se impavida,?Synistra, nos umbraes do camarote!
Derreado e servil no corpo e alma,?Arrasta-se o borlista em cortesias,?Gagueja cumprimentos requentados,?Recebe em cada noute affrontas novas,?E, cynico, sorri, graceja sempre!
Mas cerram-se ao borlista os horisontes,?Apenas surges tu, Pedro-Eremita,?E aos povos um preg?o de guerra envias!?De toda a parte bellicosa ferve?Raivosa indigna??o contra os _Bernardos_.[4]?Aqui batata p?dre o povo ajunta,?Al��m prendem-se em p��os bexigas tumidas,?E cebola grelada em grande escala?De Freixo de Num?o o Porto importa.
Se no livro fatal d'altos destinos?Proscripta a extinc??o foi do borlista?Da borla a aboli??o a ti se deve,?De ti, visconde emana o nobre impulso!
Em nome dos sensiveis assignantes,?Recebe o galard?o que o Porto envia?Ao caro filho seu que a patria salva?Do typho mais cruel--_typho-borlista!_
[3] �� uma cegonha, cousa duvidosa entre a for?a, e a giboia, que canta entre as coristas.
[4] Quem n?o conhece o sr. Bernardo, digno Achiles do _Barriense_?
IMPRESSOENS
D'UM PASSEIO, NO _JARDIM DE S. LAZARO_.
Que delicias n?o encerra?Esta bem fadada terra?N'um domingo, em mez d'Abril!?Nem eu sei se a natureza?Deu mais pompas a Veneza,?Que no mar reina gentil.
N?o na ha terra mais linda?Nem sonhal-a eu pude ainda?Nos meus sonhos da manhan.?Uma s�� os dons lhe abate,?��s s�� tu, patria do vate,?Donairosa Campanhan!
Mas, aqui, terra das auras,?Espontaneas brotam Lauras?Por entre sacas d'arroz.?E, quaes ferteis cogomelos,?Nascem Dantes de chinelos,?E Petrarcas d'albornoz.
Tudo vai do ceo formoso,?Que derrama ondas de goso?Nestas almas d'alfinim.?Ouem n?o viu anjos de saia,?Serafins d'alva cambraia?No fantastico _jardim_?
Inda, ha pouco, eu vi delicias?Invejei doces caricias,?Que l�� vi... oxal�� n?o!?Entre tantas a mais bella,?A rainha... ai! era ella...?D. Eusebia d'Assump??o!
Ella sempre!.. espectro! larva?Por quem fiz esta alma parva,?Por quem dei cavaco at��!?E t?o linda!.. impia cegonha,?T?o folhuda!.. era uma fronha,?Um travesseiro de p��!
E, t?o tolo, eu quiz fallar-lhe?Quiz mysterios revelar-lhe?Deste amor, desta agonia;?Quiz dizer-lhe em voz terrivel,?Com rancor inconcebivel:??Passou bem? que bello dia!?
N?o me ouviu, virou-me a cara,?E eu jurei vingan?a avara,?E a vingan?a... oh! eide-a ter!?N?o te rias, lagarticha,?Eide atirar-te uma bicha,?Eide v��r-te a fralda a arder.
Feito o horrivel juramento,?N'aquelle acerbo momento?Dona Eusebia me esqueceu!..?Procurei entre outras flores?Nova f��, novos amores...?Poderia achal-os eu?
Dona Eustaquia era formosa,?Tinha os dentes c?r de rosa,?Meigos olhos de marfim;?Tinha o collo verde-gaio,?Lindos bra?os cor de paio,?Lindas m?os de marroquim.
Mas Eustaquia n?o podia,?Conceber-me esta poesia,?Que me escalda o cora??o!?Ao p�� d'ella estava um grulha,?Um rival, um g��ta, um pulha,?Um palerma, um pelitr?o.
A pretexto de meiguices,?Vomitorio de sandices?Era o tal... que eu n?o direi...?O que eu fiz foi p?r-me ao largo,?Pois luctar �� sempre amargo?Contra um estupido de lei.
Outra vi; julguei-a vaga;?Era Dona Saramaga,?D'olhos gar?os de matar.?De cabello em grande r?lo,?Sua testa era um reb?lo,?Mas reb?lo de encantar!
Esta sim: ouviu-me as fallas,?Conheceu que estava em tallas?Meu dorido cora??o.?Deu me affectos desvellados,?Deu-me quatro rebu?ados?Com sensivel emo??o!
Perguntou-me se a Geordano?Ficaria para o anno,?Ou iria p'ra Pariz.?Respondi-lhe que a cantora,?Por em quanto, era senhora?Da garganta e do nariz.
Dito isto (e n?o �� pouco)?Retirei-me quasi louco?De paix?o, que �� de matar.?Mas palpita-me que um dia,?Consummida esta poesia,?P��s de burro eide apanhar!
P. S.
O auctor desta obra �� uma pessoa honesta, que reconhece Deus no ceo, e o ridiculo na terra. N?o cr�� no representante de Deus entre os homens, por que n?o quer ultrajar a divindade; mas confessa que o demonio tem um representante em cada freguezia, sem attribui?oens no codigo administractivo, mas funccionario muito superior aos regedores e juizes eleitos. O auctor accredita que o diabo n?o �� t?o feio como o pintam, e reputa-o, nas suas elevadissimas intui?oens, como um espirito que se ri desentoadamente das muito parvas evolu?oens da humanidade. O auctor ousa declarar-se commissionado provisoriamente desse espirito do sarcasmo, e n?o poder�� d'hora em diante irrogar injuria a quem lhe chamar ?alma do diabo.? Conscio da miss?o que lhe �� delegada, o auctor intenta uma publica??o semanal, que ser�� uma pagina que o Lucifer do seculo XX
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