Contos para a infância | Page 5

Guerra Junqueiro
vez do mundo inteiro, que eu tinha à minha disposi??o, deram-me um pedacito de relva, e a ti só por unica companhia. Cada pésinho de relva substitue para mim uma arvore, e cada uma das tuas folhas brancas, uma flor odorifera. Ah! como me fazes recordar de todas as coisas que perdi!
--Se eu podesse consolal-a! pensava o malmequer, incapaz de fazer o minimo movimento.
Comtudo o perfume que elle exalava, tornou-se mais forte que de costume; a cotovia sentiu-o, e, apesar da sede devoradora que a obrigava a arrancar a herva, teve todo o cuidado em n?o tocar nem sequer de leve na flor.
Caiu a noite; n?o estava ali ninguem, para trazer uma gotta d'agua á desditosa cotovia; Estendeu ent?o as suas bellas azas, sacudindo-as convulsivamente, e poz-se a cantar uma can??osinha melancolica; a sua cabecinha inclinou-se para a flor, e o seu cora??o quebrado de desejos e d'angustias cessou de bater. Vendo este triste espectaculo, o malmequer n?o p?de como na vespera fechar as suas folhas para dormir; curvou-se para o ch?o, doente de tristeza.
Os rapazitos só voltaram no dia seguinte, e, vendo o passarinho morto, rebentaram-lhe as lagrimas e abriram uma cova. Metteram o cadaver dentro d'uma caixa vermelha, lindissima, fizeram-lhe um enterro de principe, e cobriram o tumulo com folhas de rosas.
Pobre passarinho! Emquanto vivia e cantava, esqueceram-se d'elle e deixaram-n'o morrer de fome na gaiola; depois de morto é que o choraram e lhe fizeram honrarias pomposissimas.
A relva e o malmequer lan?aram-as para a poeira da estrada; d'aquelle que com tanta ternura tinha amado a cotovia, ninguem se lembrou.

*N?o quero*
Um dia, passando na estrada, ouvi dois rapazitos que fallavam muito alto: ?N?o, dizia um com voz energica, n?o quero.? Parei e perguntei-lhe:--O que é que tu n?o queres, meu rapaz?--?N?o quero dizer á mam? que venho da escola, porque é mentira. Sei que me hade ralhar, mas antes quero que me ralhe do que mentir.?--E tens raz?o, disse-lhe eu. és um rapaz como se quer.? Apertei-lhe a m?o, emquanto que o outro pequeno, que lhe aconselhava que se desculpasse mentindo, ia-se embora todo envergonhado.
D'ahi a alguns mezes, passando pela mesma aldeia e tendo de fallar com o professor, entrei na escola, onde reconheci immediatamente os meus dois pequenos; o que n?o quiz mentir, sorria-me, emquanto que o outro, vendo-me, baixou os olhos. Ao despedir-me interroguei o mestre sobre os dois alumnos: Oh! disse-me elle, fallando do primeiro, è um magnifico estudante, um pouco teimoso, mas honrado, sincero, sempre prompto a confessar as suas faltas e o que é ainda melhor, a reparal-as. O outro pelo contrario, é mentiroso, covarde e incorrigivel.?--N?o me espanto, disse eu, já tinha tirado o horóscopo d'estas duas crean?as; e contei-lhe o que tinha ouvido.

*Piloto*
Piloto era o mais intelligente e o mais affectuoso dos c?es, e o infatigavel companheiro dos brinquedos das crean?as da quinta.
Fazia gosto vel-o atirar-se ao tanque a agarrar o pau, que Jo?o lhe lan?ava o mais longe que podia; pegava n'elle, mettia-o na bocca e trazia-o á margem, com grande alegria do pequerrucho e da sua irm? Joaninha.
Esta brincadeira recome?ava vinte vezes sem can?ar nunca a paciencia do Piloto. Depois eram corridas, festas, gargalhadas, saltos, até que o assobio do creado da quinta chamava o fiel animal ás suas obriga??es: partia ent?o como um raio, para escoltar as vaccas, que levavam aos pastos, e impedil-as de entrar no lameiro do visinho.
Quando o hortel?o ia vender os legumes ao mercado, era o Piloto o guarda da carro?a; e muito atrevido seria quem saltasse á noite a parede da quinta.
Uma vez deu prova d'uma extraordinaria sagacidade; um jornaleiro, que se empregava muitas vezes em levar saccos de trigo da quinta para casa, tentou de noite roubar um sacco.
Piloto, que o conhecia, n?o fez a menor demonstra??o de hostilidade emquanto o homem seguiu o caminho da quinta, mas, desde que se afastou tomando por outra estrada, o guarda vigilante agarrou-o pela blusa sem o largar.
Era como se dissesse: ?Onde vaes tu com o trigo de meu dono??
O ladr?o quiz p?r ent?o outra vez o sacco d'onde o tinha tirado; Piloto n?o consentiu, e teve-o em guarda, sem o morder nem o ferir, até de manh?; o quinteiro foi dar com elle n'esta difficil posi??o, reprehendeu-o vivamente, e despediu-o sem divulgar o caso para o n?o deshonrar.
Mas o homem ficou com odio ao c?o, e muito tempo depois, aproveitando a ausencia do quinteiro e de seus filhos, chamou o Piloto, que correu para elle sem desconfian?a; atou-lhe uma corda ao pesco?o e arrastou-o até á margem do ribeiro.
Atou uma grande pedra á outra extremidade da corda e levantando o animal atirou-o á agua; mas arrastado elle proprio com o peso e com o esfor?o, caiu tambem.
Como n?o sabia nadar, teria sido despeda?ado pela roda do moinho, se o corajoso Piloto, obedecendo ao seu
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