Contos para a Infância | Page 2

Guerra Junqueiro
brilho mais suave do que as pérolas mais ricas que eu tenho possuído. Se queres, arranca-os das órbitas à for?a de chorar, e levar-te-ei à estufa grandiosa, que está do outro lado: essa estufa é a habita??o da Morte; e as flores e as árvores que est?o lá dentro, é ela quem as cultiva; cada flor e cada árvore é a vida duma criatura humana.?
--Oh! o que n?o darei eu, para reaver o meu filho!? disse a m?e. E apesar de ter já chorado tantas lágrimas, chorou com mais amargura do que nunca, e os seus olhos destacaram-se das órbitas e caíram no fundo do lago, transformando-se em duas pérolas, como ainda as n?o teve no mundo uma rainha.
O lago ent?o ergueu-a, e com um movimento de ondula??o depositou-a na outra margem, aonde havia um maravilhoso edifício, com mais de uma légua de comprido. De longe n?o se sabia se era uma constru??o artística ou uma montanha com grutas e florestas. Mas a pobre m?e n?o podia ver nada; tinha dado os seus olhos.
--Como hei-de eu reconhecer a Morte que me roubou o meu filho!? bradou ela desesperada.
--A Morte ainda n?o chegou, respondeu-lhe uma boa velha, que andava dum lado para o outro, inspeccionando a estufa e cuidando das plantas. Como vieste tu aqui parar? Quem te ensinou o caminho??
--Deus auxiliou-me, respondeu ela. Deus é misericordioso. Compadece-te de mim, e diz-me onde está o meu filho.?
--Eu n?o o conhe?o, e tu és cega, disse a velha. Há aqui muitas plantas e muitas árvores, que murcharam esta noite: a Morte n?o tarda aí para as tirar da estufa. Deves saber, que toda a criatura humana tem neste sítio uma arvore ou uma flor, que representam a sua vida e que morrem com ela. Parecem plantas como quaisquer outras, mas tocando-lhes, sente-se bater um cora??o. Guia-te por isto, e talvez reconhe?as as pulsa??es do cora??o de teu filho. E que davas tu por eu te ensinar o que tens ainda de fazer??
--Já n?o tenho nada que te dar, disse a pobre m?e. Mas irei até ao fim do mundo buscar o que tu quiseres.--?Fora daqui n?o preciso de nada, respondeu a velha. Dá-me os teus longos cabelos negros; tu sabes que s?o belos, e agradam-me. Trocá-los-ei pelos meus cabelos brancos.?--N?o pedes mais nada do que isso? disse a m?e. Aí os tens, dou-tos de boa vontade.?
E arrancou os seus magníficos cabelos, que tinham sido outrora o seu orgulho de rapariga, recebendo em troca os cabelos curtos e inteiramente brancos da velha.
Esta levou-a pela m?o à grande estufa, onde crescia exuberantemente uma vegeta??o maravilhosa. Viam-se debaixo de campanulas de cristal jacintos mimosíssimos ao lado de peónias inchadas e ordinárias. Havia também plantas aquáticas, umas cheias de seiva, outras meio murchas, e em cujas raízes se enovelavam cobras asquerosas.
Mais longe erguiam-se palmeiras soberbas, carvalhos e plátanos frondosos; depois num outro sítio isolado havia canteiros de salsa, tomilho, hortel? e outras plantas humildes que representavam o género de utilidade das pessoas que elas simbolizavam.
Havia ainda grandes arbustos em vasos demasiadamente estreitos, que pareciam rebentar; mas viam-se também florzitas insignificantes, em vasos de porcelana, na melhor terra, circundadas de musgo, tratadas com esmero delicadíssimo. Tudo isso representava a vida dos homens, que a essa hora existiam no mundo, desde a China até à Groenlandia.
A velha queria mostrar-lhe todas estas coisas misteriosas, mas a m?e impacientada pediu-lhe que a levasse ao sítio onde estavam as plantas pequeninas; tacteava-as, apalpava-as, para lhes sentir o bater do cora??o, e, depois de ter tocado em milhares delas, reconheceu as pulsa??es do cora??o do seu filho.
--é ele!? exclamou, lan?ando a m?o a um a?afroeiro, que, pendido sobre a terra, parecia completamente estiolado.
--N?o lhe toques, disse a velha. Fica neste sítio; e quando a Morte vier, que n?o tarda, proíbe-lhe que arranque esta planta; amea?a-a de arrancar todas as flores que est?o aqui. A Morte terá medo, porque tem de dar conta delas a Deus. Nenhuma pode ser arrancada sem o seu consentimento.?
Nisto sentiu-se um vento glacial, e a m?e adivinhou que era a Morte, que se aproximava.
--Como é que deste com o caminho? perguntou-lhe a Morte. Chegar ainda primeiro do que eu! Como o conseguiste?--?Sou m?e? respondeu ela.
E a Morte estendeu a sua m?o ganchosa para o pequenino a?afroeiro.
Mas a m?e protegia-o violentamente com ambas as m?os, tendo o cuidado de n?o ferir uma só das pequeninas pétalas. Ent?o a Morte soprou-lhe nas m?os, fazendo-lhas cair inanimadas. O hálito da Morte era mais frio do que os ventos enregelados do Inverno.
--N?o podes nada comigo!? disse a Morte.--Mas Deus tem mais for?a do que tu, respondeu a m?e.?--?é verdade, mas eu n?o fa?o sen?o aquilo que ele manda. Sou o seu jardineiro. Todas estas plantas, árvores e arbustos, quando come?am a murchar, transplanto-as para outros jardins, um dos quais é o grande
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