Contos para a Infância | Page 9

Guerra Junqueiro
flor que desejas para plantar no paraíso?» perguntou o anjo.
Havia nesse jardim uma roseira que tinha sido direita, vigorosa,
magnífica; mas quebraram-lhe o pé, e todos os seus ramos cheios de
botõezinhos lindíssimos pendiam estiolados para o chão.
«Pobre roseira! disse a criança ao anjo; vamos buscá-la para que possa
reflorir no paraíso.»
O anjo foi buscá-la, e abraçou a criança. Colheram muitas flores
brilhantes, boninas humildes e violetas silvestres.
A colheita estava terminada, e contudo não voavam ainda para Deus.
Caiu a noite silenciosa, e a criança e o seu guia Divino andavam ainda
por cima da grande cidade. Atravessaram uma das ruas mais estreitas,
cheia de cacos de louça, de vidros partidos, de farrapos, de toda a casta
de imundície. Entre estes destroços distinguiu o anjo um vaso de flores
com a terra pelo chão, onde pendiam as longas raízes duma flor dos
campos, já murcha, e que parecia não poder reverdecer: tinham-na
atirado para a rua como inútil e morta.
«Vale a pena levantá-la disse o anjo; levemo-la, e pelo caminho,
voando, te contarei a história da florinha. Lá ao fundo, lá ao fundo,
naquela rua estreita e tortuosa, morava um pequerrucho, uma criança
miserável e doente. Quando se sentia melhor, o mais que podia
conseguir era passear com a ajuda das muletas ao longo de seu
pequenino quarto. Em certos dias de Verão os raios do sol
visitavam-lhe a alcova, durante meia hora. Então a criança sentada à
janela, aquecida pelo sol, sem o cansaço do andar, imaginava-se
passeando; não conhecia da floresta, da fresca verdura da primavera,
senão o ramo de faia, que uma vez o filho do vizinho tinha colhido para

ele. Suspendia por cima da cabeça o ramo verdejante, e, supondo-se
debaixo das árvores abrigadas do sol, sonhava com o doce canto dos
passarinhos. Um dia o filho do vizinho trouxe-lhe flores do campo, e
por acaso entre elas apareceu uma que tinha ainda raízes; o
pequerrucho plantou-a num vaso, e pô-lo à janela, junto da cama. A flor
plantada por mão abençoada, cresceu, tornou-se grande, e todos os anos
dava novas flores. Era o seu jardinzinho, o seu único tesouro neste
mundo; regava-a, tratava-a, adorava-a; fazia-lhe aproveitar os raios do
sol até ao último. A flor aparecia-lhe em sonhos, porque era para ele
que floria, que espalhava o seu aroma e ostentava as suas cores; quando
se sentiu morrer foi para ela que se voltou.
«Faz hoje um ano que esse pequerrucho habita no paraíso; a sua
querida flor, esquecida à janela desde então, murchou, estiolou-se e
atiraram-na à rua finalmente. E contudo esta flor quase seca é o tesouro
do nosso ramalhete. Deu mais prazer e alegria do que todos os canteiros
dum jardim realengo.»
«Como sabes tu isso?» perguntou a criança, que o anjo levava para o
céu.
--Sei-o, respondeu o anjo, porque era eu o pequenino doente que
andava em muletas; como não havia de eu reconhecer a minha flor bem
amada!»
A criança abriu os olhos, e viu a radiosa figura do anjo quando
entravam no céu onde tudo era alegria e felicidade. Deus pegou nas
flores, levou-as ao coração, mas a que ele beijou foi a florinha silvestre,
desprezada e murcha: a flor adquiriu voz imediatamente, pôs-se a
cantar com as almas que rodeiam o Criador, umas junto dele, outras ao
longe, formando círculos que vão aumentando sucessivamente,
multiplicando-se até ao infinito, povoados de seres inteiramente felizes,
cantando todos harmoniosamente--desde a criança abençoada até à
humilde florinha do campo, levantada do lodo, dentre os tristes
despojos da rua sombria e tortuosa.

*Presente por presente*
Um grande fidalgo, que se tinha perdido numa floresta, foi dar de noite
à choupana de um pobre carvoeiro. Como este ainda não tinha chegado,
foi a mulher que recebeu o importante personagem. Acolheu-o o
melhor que pôde, desculpando-se da miserável hospitalidade que lhe ia
dar, porque eram batatas cozidas a única coisa que lhe poderia oferecer;
cama não a tinha, por conseguinte dormiria sobre a palha. Mas o
estrangeiro estava morto de fome e de fadiga; as batatas souberam-lhe
mais do que faisões, e dormiu melhor em cima da palha do que num
leito de príncipes. Ao outro dia pela manhã disse isto mesmo à pobre
mulher, gratificando-a ao despedir-se com uma moeda de ouro. Mas,
como o desconhecido lhe tinha dito que a guardasse como uma pequena
lembrança, a boa camponesa julgou que seria uma medalha, e sentiu
que não tivesse um buraquito para a trazer ao pescoço. Quando o
carvoeiro chegou a casa, contou-lhe logo o que lhe tinha acontecido,
mostrando-lhe a moeda preciosa. O carvoeiro examinou os cunhos e o
valor da moeda de ouro, e disse para a mulher:
«Esse forasteiro era nada mais nada menos do que o nosso príncipe!
E o bom do homem não podia conter-se
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