Contos dAldeia | Page 7

Alberto Braga
ha duvida.
--O que é lá?--gritou o mestre Joaquim com uma voz convulsa.--O que é?
E ficou a olhar para o Gabriel, inclinando com o indicador o pavilh?o da orelha direita.
--Fui eu que ensinei assim--repetiu o Gabriel assustado.
--Vem cá--chamou de afogadilho o mestre--já aqui, seu atrevido. E bateu com a palmatoria na mesa. O Gabriel poisou o livro no logar e aproximou-se.
--Aqui já.
O mestre descarregou-lhe nas m?osinhas tenras meia duzia de furiosas palmatoadas.
Foi muito bem feito! Apre! Offender a sabedoria do seu mestre!
* * * * *
De uma outra vez, de tarde, aconteceu passar o abbade pela aula do mestre regio. Fóra ouvia-se uma gritaria, que eu sei lá! parecia que o mundo ia acabar.
á porta da aula estavam tres pobres mulheres, cada uma com um filhinho ao collo.
--Ahi vem o sr. abbade--disse uma d'ellas.--Vamos pedir-lhe, mulheres. Aquillo foi Nosso Senhor que o trouxe por aqui.
Abeiraram-se do abbade, e imploraram-lhe que fosse elle pedir ao mestre que perdoasse por esta vez aos rapazinhos.
--Ent?o o que aconteceu?--perguntou o reitor.
--Quem sabe lá, sr. abbade! Elles berregam, que parece que os matam!
--Se eu já até ouvi o meu Manoel, que é tam fraquinho!
--E o meu Jo?o, sr. abbade, que tam doentinho tem andado.
--E o meu José! aquelle que foi este anno á primeira confiss?o, sr. abbade; sabe?
O abbade dirigiu-se á porta e bateu.
--Quem é?--perguntou de dentro a voz aspera do mestre.
--Abra, mestre Joaquim, faz favor?
O abbade entrou. Para os pequenos foi como se vissem a Providencia.
--Ent?o o que lhe fizeram estes mariolas, sr. Joaquim?--perguntou o abbade, olhando em roda para os alumnos.
--O que me fizeram? Roubaram-me dois lapis!
--Oh! que grande peccado!--exclamou o abbade, arregalando os olhos.
--E é que nenhum confessa--explicou o mestre. E bradou, voltado para os pequenos--nenhum confessa, mas eu ra a i xo-os, aqui, todos.
O abbade poz-lhe a m?o no hombro e serenou-o, dizendo-lhe:
--Pois se nenhum confessa, é o mesmo; que vamos já saber quem foi. Espere ahi que volto já.
Saíu o abbade, e, passados instantes, entrou na aula, precedido de uma rapariga.
Aproximou-se da mesa e disse:
--P?e tudo aqui em cima, Josephinha. Assim. Agora vai-te embora.
A pequena poisou uma panella de folha, e tirou debaixo do avental um gallo preto. O abbade metteu o gallo dentro da panella, cobriu-a com o testo, e principiou assim:
--Fez-se um grande peccado! Roubaram um lapis! Quem rouba um lapis, é muito capaz de roubar tudo! Meus filhos, um de vós commetteu o crime; e n?o o confessa por vergonha. Ora, por causa d'aquelle que roubou os lapis, v?o padecer todos os mais. Ahi teem! Em vez de só fazer um peccado, que Nosso Senhor lhe perdoava, se o confessasse e se arrependesse, vae commetter muitos: faltar á verdade, que é t?o feio, e depois deixar que os outros soffram injustamente.
Os pequeninos ouviam o abbade com religiosa venera??o.
O abbade proseguiu:
--H?o de vir todos, cada um por sua vez, p?r a m?o sobre esta panella. O gallo preto ha de cantar logo que sinta sobre o testo a m?o criminosa do que roubou o lapis. E fica assim conhecido o ladr?o; o sr. mestre Joaquim ha de castigal-o, e eu n?o o quero ver mais. Ora, torno a dizer, se confessar está perdoado.
Na aula, silencio profundo.
--Nenhum se accusa?--disse o abbade.--Venha o numero 1.
Foi o numero 1 e poisou a m?o sobre o testo. O gallo n?o cantou.
Foi o numero 2, foi o numero 3 e chegou até ao numero 4.
Antes de chegar a vez ao numero 5, todos os olhares convergiram para um canto da aula, d'onde partiam uns solu?os afflictivos.
--Quem chora ahi?--perguntou o abbade.
Ergueu-se o Eusebio da Entrevada.
Era um pequenino de oito annos, muito pobresinho, com um palmito de cara que estava mesmo a pedir p?o.
Era um cinco reis de gente, o Eusebio.
--é o da Emprégada--explicou o do Moleiro.
--Anda cá, menino--chamou o abbade--anda cá. Tu porque choras?
O pequeno aproximou-se para justificar as suas lagrimas, mostrou ao reitor os dois lapis roubados.
--Ah! foste tu, Eusebio?!
E Jesus! O pequeno chorava que era um dó do cora??o! E nem podia responder; apenas acenava.
--Ent?o foste tu. E, olha, para que os tiraste?
--é que o sr. mestre--balbuciou o criminoso--disse-me que trouxesse eu um lapis, e eu n?o quiz pedir o dinheiro á minha m?e, que está emprégadinha na cama, e nem tem dinheiro para o caldo. E depois com medo de que o sr. mestre me batesse...
--Pegaste n'um lapis. Foi assim?--concluiu o parocho.
--Foi, sim, senhor.
--Mas tu tiraste dois!
O pequeno desatou a chorar.
--Para que tiraste dois?--insistia o padre.
--Era--explicou o Eusebio--para quando se acabasse um!...
O mestre estava já de palmatoria prompta.
O Eusebio estendeu resignado a m?osinha trémula.
--Basta--terminou o abbade.--Eu prometti que se perdoava a quem confessasse. Para outra vez, querendo alguma coisa, vae-me pedir, ouviste? Que eu n?o tenho tempo de saber o que vos falta. Ora vae para o teu logar, e promette que n?o tornas a fazer outra.
O mestre Joaquim sentiu muito n?o
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