Claridades do sul

António Gomes Leal
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Title: Claridades do sul
Author: António Gomes Leal
Release Date: March 30, 2007 [EBook #20940]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
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CLARIDADES DO SUL ***
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CLARIDADES DO SUL
GOMES LEAL
CLARIDADES DO SUL
LISBOA
BRAZ PINHEIRO--EDITOR
Praça d'Alegria 73

1875
PRIMEIRA PARTE

INSPIRAÇÕES DO SOL
HYMNO AO SOL
Vous prêtres! qui murmurez, vous portez ses signes sur tout votre corps:
«votre tonsure» est le disque du «soleil,» votre «étole» est son zodiaque,
vos «chapelets» sont l'embléme des astres et des planétes.
VOLNEY (LES RUINES)
Eu te saudo ó Sol, bello astro amigo!
(Tão pontual ha tantos centos
d'annos)
Mais reluzente que um broquel antigo,
Mais dourado que
sceptros de tyranos;
Avé, heroica luz! viva e sonora,
Vestindo o
mundo, emquanto aos ceus erguidas,
As florestas extensas dão
gemidos,
E o duro mar se chora!
Eu te saudo, ó astro das batalhas!...
Por que atravez das cruas
dissenções,
Douras o pó que se ergue das mortalhas.
E levantas os
nossos corações!
E por isso, ainda hoje, e eternamente,
Os
romanticos te hão de a ti saudar,
--E os tristes sempre irão, á luz
poente,
Ver-te morrer no mar!
Tu és a Voz; a Côr; as _Harmonias_
Accordam com as tuas
claridades;
És quem benze as aldeias e as cidades,
E quem fases
cantar as cotovias;
És quem inspira extranhas theorias,
És forte, são,
consolador e bom!
Tem a lua silencios e elegias;
--Mas tu a _Côr_ e o _Som_!
Eu te saudo, ó astro dos guerreiros!...
Eterno confessôr de madrigaes,

Que desgellas os densos nevoeiros,
Que alegras as sonoras capitaes;

Que dás valor nos campos marciaes,
E força e amor aos aldeões

trigueiros,
E que incitas os tigres carniceiros
A beber nos caudaes!
Desde a Chaldea ás tristes solidões,
Tens tido cultos, templos
levantados,
E velhos ritos barbaros sagrados,
E alegres, sensuaes
religiões!...
Tu foste _Mithras_, nome cabalistico,
_Baal_, _Agni_,
_Apollo_ (invocações)
--E hoje _Christo_--teu nome occulto e
mystico--
Fere inda os corações!
Quem contará, ó luz, tuas bondades?...
E o amor no qual o coração
abrasas,
E as tuas funeraes solemnidades
Á ideal palpitação das
azas?...
Quem nos livra das flexas do pecado?
Quem faz na intima
terra o diamante?
Quem gera o monstro, a pomba, o lyrio amado,
E a idea extravagante?
Ave! pois, asto caro dos valentes...
Da Força, Vida, Gloria, da Paixão,

A flexa d'ouro aos corações ardentes,
Astro amigo das lutas e da
Acção!
Ave! e em dias crús d'expiação
Vae, e beija--nas hervas
relusentes--
Os que morrem, vencidos combatentes,
--A espada inda na mão!
*Á JANELLA DO OCCIDENTE*
O mundo oscilla
(Luthero)
Os deuses ou são mortos ou caídos,
Quaes duros aldeões dormindo as
sestas,
Ou andam pelos astros perseguidos
Chorando os velhos
tempos das florestas,
Os reis ressonam nas devassas festas:
Já os fructos do Mal estão
crescidos:
Ó Sol, ha muito que tu já nos crestas!
E aos nossos ais o

Ceu não tem ouvidos!
Ha muito já que o Olympo está vazio,
E no seio d'um astro immenso
e frio
É morto o Deus do Testamento Velho.
Apenas sobre o mundo eterno e afflicto,
Procura Fausto o _x_ do
infinito,
E Satan dorme em cima do Evangelho.
*OS SANTOS*
Les saints arrachaient leurs auréoles.
(Dubois)
Viam-nos caminhar, exilados da luz,
As grandes povoações, as rochas,
as paisagens.
E os corvos, os fieis amantes das carnagens,
Estos
magros heroes, paladins de Jesus.
Andavam rotos, vis, os pés chagados, nús.
Finavam-se a rezar ante as
santas imagens,
E ouviam-nos bradar no meio das folhagens:
--Ó
arvores em flor! vós sois esquife e cruz!
Onde estaes hoje vós? nas grutas dos planetas,
Inda hoje rezaes, ó
pallidos ascetas,
Luzes vivas da Lei! martyres solitarios?
Na terra não; que ha muito a Materia nos nutre,
E nem no Ceu
talvez;--no entanto o negro abutre
Tem saudades de vós nas cristas
dos calvarios!
*D. QUICHOTE*
A Luciano Cordeiro
O que é isto?
Nos tempos medivaes dos campeões andantes,
E das balladas como a
do bom rei de Thule,
Andava D. Quichote em busca de gigantes,

Magro, tristonho, ideal, crente Fausto do Sul.

Batalhador juiz da Virtude e do Crime,
Defendendo o opprimido, a
mulher, o ancião,
Corria o mundo assim, ridiculo e sublime,
Em seu
magro corcel, sob arnez de cartão.
Cheio de tradições, o velho mundo absorto,
Da banda do meio dia,
ouvia o seu tropel,
E como insectos vis sobre um cavallo morto,

Riam as multidões do ultimo fiel.
Ia triste a scismar, com a alma abatida,
Nos caminhos do mal
rasgando as illusões,
Magro Fausto do Sul, buscando a Margarida,

Cheio de apupos vis, d'escarneos e irrisões.
Vinha de batalhar espancado e abatido,
Cheio de contusões e lodos
d'atoleiros,
E ao pé montando um burro, e o
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