Chronica de el-rei D. Pedro I | Page 3

Fernão Lopes
lei �� regra do que se ha de fazer, muito mais o deve de ser o rei que a p?e e o juiz que a ha de encaminhar, porque a lei �� principe sem alma, como dissemos, e o principe �� lei e regra da justi?a com alma. Pois quanto a cousa com alma tem melhoria sobre outra sem alma, tanto o rei deve ter excellencia sobre as leis: c�� o rei deve de ser de tanta justi?a e direito, que cumpridamente d�� ��s leis a execu??o; de outra guisa, mostrar-se-hia seu reino cheio de boas leis e maus costumes, que era cousa torpe de v��r. Pois duvidar se o rei ha de ser justi?oso, n?o �� outra cousa sen?o duvidar se a regra ha de ser direita, a qual, se em direitura desfalece, nenhuma cousa direita se pode por ella fazer.
Outra raz?o por que a justi?a �� muito necessaria ao rei, assim �� porque a justi?a n?o t?o s��mente aformoseia os reis de virtude corporal, mas ainda espiritual, pois quanto a formosura do espirito tem avantagem da do corpo, tanta a justi?a no rei �� mais necessaria que outra formosura.
A terceira raz?o se mostra da perfei??o da bondade, porque ent?o dizemos alguma cousa ser perfeita, quando fazer pode alguma semelhante a si, e portanto se chama uma cousa boa, quando sua bondade se pode estender a outros, ao menos, sequer por exemplo, e ent?o se mostra, por pratica, quanto cada um �� bom, quando �� posto em senhorio.
Por��m, cumpre aos reis ser justi?osos por a todos seus sujeitos poder vir bem, e a nenhum o contrario, trabalhando que a justi?a seja guardada, n?o s��mente aos naturaes de seu reino, mas ainda aos de f��ra d'elle, porque, negada a justi?a a alguma pessoa, grande injuria �� feita ao principe e a toda sua terra.
D'esta virtude da justi?a, que poucos acha que a queiram por hospeda, posto que rainha e senhora seja das outras virtudes, segundo diz Tullio, usou muito el-rei Dom Pedro, segundo v��r podem os que desejam de o saber, lendo parte de sua historia.
E pois que elle, com bom desejo, por natural inclina??o, refreou os males, regendo bem seu reino, ainda que outras minguas por elle passassem, de que penitencia podia fazer, de cuidar ��, que houve o galard?o da justi?a, cuja folha e fructo �� honrada fama n'este mundo e perduravel folgan?a no outro.

*CAPITULO I*
_Do reinado de el-rei Dom Pedro, oitavo rei de Portugal, e das condi??es que n'elle havia_.
Morto el-rei D. Affonso, como haveis ouvido, reinou seu filho, o infante Dom Pedro, havendo ent?o de sua idade trinta e sete annos e um mez e dezoito dias. E porque dos filhos que houve, e de quem, e por que guisa, j�� compridamente havemos falado, n?o cumpre aqui arrazoar outra vez; mas das manhas, e condi??es, e estados de cada um, diremos adiante, muito brevemente, onde convier falar de seus feitos.
Este rei Dom Pedro era muito gago, e foi sempre grande ca?ador e monteiro, em sendo infante e depois que foi rei, trazendo grande casa de ca?adores e mo?os de monte e de aves, e c?es, de todas maneiras que para taes jogos eram pertencentes.
Elle era muito viandeiro, sem ser comedor mais que outro homem, que suas salas eram de pra?a em todos logares por onde andava, fartas de vianda, em grande abastan?a.
Elle foi grande criador de fidalgos de linhagem, porque n'aquelle tempo n?o se costumava ser vassalo, se n?o filho e neto ou bisneto de fidalgo de linhagem; e por usan?a haviam ent?o a quantia que ora chamam maravidis, dar-se no ber?o, logo que o filho do fidalgo nascia, e a outro nenhum n?o.
Este rei accrescentou muito nas quantias dos fidalgos, depois da morte de el-rei seu padre, c�� n?o embargando que el-rei D. Affonso fosse comprido de ardimento e muitas bondades, tachavam-no, por��m, de ser escasso, e apertamento de grandeza. E el-rei Dom Pedro era em dar mui ledo, em tanto, que muitas vezes dizia que lhe afrouxassem a cinta, que ent?o usavam n?o mui apertada, porque se lhe alargasse o corpo por mais espa?osamente poder dar; dizendo que o dia que o rei n?o dava, n?o devia ser havido por rei.
Era ainda de bom desembargo aos que lhe requeriam bem e merc��, e tal ordenan?a tinha n'isto, que nenhum era detido em sua casa por cousa que lhe requeresse.
Amava muito de fazer justi?a com direito. E assim como quem faz correi??o, andava pelo reino, e visitada uma parte n?o lhe esquecia de ir v��r a outra, em guisa que poucas vezes acabava um mez em cada logar de estada.
Foi muito mantenedor de suas leis e grande executor das senten?as julgadas, e trabalhava-se quanto, podia das gentes n?o serem gastadas por azo de demandas e prolongados pleitos.
E se a Escriptura affirma que, por o rei
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