Chronica de el-rei D. Pedro I | Page 4

Fernão Lopes

Amava muito de fazer justiça com direito. E assim como quem faz
correição, andava pelo reino, e visitada uma parte não lhe esquecia de ir
vêr a outra, em guisa que poucas vezes acabava um mez em cada logar

de estada.
Foi muito mantenedor de suas leis e grande executor das sentenças
julgadas, e trabalhava-se quanto, podia das gentes não serem gastadas
por azo de demandas e prolongados pleitos.
E se a Escriptura affirma que, por o rei não fazer justiça, vem as
tempestades e tribulações sobre o povo, não se póde assim dizer d'este,
cá não achamos, em quanto reinou, que a nenhum perdoasse morte de
alguma pessoa, nem que a merecesse por outra guisa, nem lh'a mudasse
em tal pena por que pudesse escapar a vida.
A toda gente era galardoador dos serviços que lhe fizessem, e não
sómente dos que faziam a elle, mas dos que haviam feitos a seu padre,
e nunca colheu a nenhum cousa que lhe seu padre desse, mas
mantinha-a e accrescentava n'ella.
Este rei não quiz casar: depois da morte de Dona Ignez, em sendo
infante, nem depois que reinou, lhe prove receber mulher; mas houve
amigas com que dormiu, e de nenhuma houve filhos, salvo de uma
dona, natural de Galliza, que chamaram Dona Thereza, que pariu um
filho que houve nome Dom João, que foi mestre de Aviz em Portugal e
depois rei, como adiante ouvireis, o qual nasceu em Lisboa onze dias
do mez de abril, ás tres horas depois do meio dia, no primeiro anno do
seu reinado. E mandou o el-rei criar, em quanto foi pequeno, a
Lourenço Martins da Praça, um dos honrados cidadãos d'essa cidade,
que morava junto com a igreja cathedral onde chamam a praça dos
Canos, e depois o deu, que o criasse, a Dom Nuno Freire de Andrade,
mestre da Cavallaria da ordem de Christo.

*CAPITULO II*
_Como el rei de Castella mandou pelo corpo da rainha Dona Maria, sua
madre, e da carta que enviou a el-rei de Portugal, seu tio_.
N'esta sezão que el rei Dom Pedro começou de reinar, ordenou el-rei de
Castella de enviar pelo corpo da rainha Dona Maria, sua madre, que se

finara em Portugal vivendo ainda el-rei Dom Affonso, seu padre, como
em alguns logares d'este livro faz menção; e fez saber por sua carta a
el-rei Dom Pedro, seu tio, como havia vontade de a trasladar, para a pôr
em Sevilha, na capella dos reis, com el-rei Dom Affonso, seu padre; e
ordenou, para irem com o corpo da rainha, o arcebispo de Sevilha e
outros prelados de seu reino, e dês-ahi mandou diante, para correger
todas as cousas que cumpriam para o corpo ir honradamente, Gomes
Peres, seu dispenseiro mór, ao qual o corpo havia de ser entregue, para
ordenar tudo o que mister fazia á sua trasladacão, para quando os
prelados viessem, que achassem tudo prestes e se partissem logo.
A el-rei Dom Pedro prouve d'isto muito, e escreveu-lhe que mandasse
por elle, quando por bem tivesse: e el-rei de Castella enviou logo
aquelle seu dispenseiro, e foi-lhe entregue o corpo, na cidade de Evora
onde jazia, para ordenar seus corregimentos, segundo a ordenança que
lhe era dada. E quando o arcebispo, e os outros prelados e gentes
vieram pelo corpo da rainha, trouxeram a el-rei Dom Pedro uma carta
de el-rei de Castella, seu sobrinho, que dizia n'esta guisa.
«Rei, tio. Nós, el-rei de Castella e de Leão, vos enviamos muito saudar
como aquelle que muito prezamos e para que queriamos tanta vida e
saude, com honra, como para nós mesmo.
«Rei, fazemos-vos saber que vimos uma carta de crença que nos
enviastes por Martim Vasques e Gonçalo Annes de Beja, vossos
vassalos, e disseram-nos de vossa parte a crença que lhes mandastes.
«E rei, tio, nossa tenção é de vos amar, e guardar sempre os bons
dividos que comvosco havemos, e fazer sempre por vossa honra como
por nossa mesma.
«E porquanto a nosso serviço e vosso cumpria haverem de ser
declaradas algumas cousas conteudas nas posturas que entre nós
havemos de pôr, assim sobre casamentos de vossos filhos com nossas
filhas, nós falámos com o dito Martim Vasques e Gonçalo Annes toda
nossa tenção, e enviamos allá sobre isto João Fernandes de Melgarejo,
chanceller do nosso sêllo da puridade, e rogamos-vos que o creaes do
que vos da nossa parte disser.

«Outro sim enviamos, para trazer o corpo da rainha, nossa madre, para
a enterrar aqui em Sevilha, o arcebispo d'esta cidade e outros prelados
de nossos reinos, e rogamos-vos que essas joias que ella deixou, que as
mandeis dar ao dito João Fernandes, e nós agradecer-vol-o-hemos.
Dada, etc.»
El-rei Dom Pedro fez outorgar o corpo da rainha Dona Maria, sua irmã,
áquelle embaixador de el-rei de Castella; e foi-lhe feita
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