Chronica de el-rei D. Affonso V | Page 2

Rui de Pina
dos Senhores Infantes vossos irm?os, por cuja honra e estado eu trabalhei e padeci o que elles sabem, cá por isso o dei e o disse, e por isso vos quero bem conselhar. Soes primeiramente muito enganada em procurardes entrar em Portugal por guerra, e contra vontade do Regente e dos Infantes seus irm?os; pois sabeis que todo o reino por natureza os ama, e por obriga??o e vontade os h?o-de servir, e das mostran?as que alguns lá fizeram de vos recolher e servir, já deveis de ser desenganada, e a concordia do conde de Barcellos e do Marechal com o Infante D. Pedro vos é para isso claro exemplo, e que vos pare?a que a necessidade do tempo lh'o fez assi fazer, ainda n?o creaes, vendo elles as cousas revoltas que n?o sostenham a parte de seu Rei natural antes que a do estranho, e mais eu n?o sei que seguran?a tereis do amor do povo que guerreardes por fogo e sangue, que tal caso se n?o pode escusar, antes para vossa vida conseguireis odio, desamor e perigo, que por todas raz?es n?o deveis querer; n?o fallo já no grande trabalho e muita perda que estes reinos de Castella receberam com esperan?a de t?o duvidosa victoria. Aquelle reino n?o é pequeno, e é mui forte e de gente leal e mui esfor?ada, e será mui máo de sogigar por for?a. E para melhor verdes esta impossibilidade, sabeis bem que um cavalleiro de duas fortalezas tem n'estes reinos cora??o de se levantar contra a obediencia e servi?o d'El-Rei nosso Senhor; e quero dizer se o devo dizer, que n?o é poderoso de o cercar nem tomar, quanto mais que os Infantes vossos irm?os que aqui est?o, de necessidade conviria terem n'estes reinos outra gente d'armas, e n?o pouca contra o Condestabre e o Mestre d'Alcantara seus imigos, e que seria impossivel ou com abatimento de suas honras e estados se sogigarem a elles, que seria grande vituperio em sangue real, que Deus nunca consinta, cá n?o haveis de duvidar que estes dois homens pela grande imizade que comvosco e com elles tem e pelas boas obras que do Regente em suas necessidades e affrontas tem recebidas, o h?o sempre de servir e ajudar, por mais enfraquentar vosso poder, cá de todo s?o desconfiados de vossa concordia, e fazendo ainda esta empreza t?o leve, que sem muita pena cobrassemos o reino de Portugal, n?o creaes que o dessemos a El-Rei vosso filho, nem a vós o Regimento d'elle; porque para cobrar novos reinos n?o ha fé nem verdade, cá é aos mortaes cobi?a sobre todas, e sobre tudo com reveren?a e acatamento d'El-Rei nosso Senhor que aqui está, vos digo que sua Senhoria tem com gram raz?o grande amor ao Regente. E crêde que por só importuna??o de que por vós e vossos irm?os foi vencido, tem feito contra elle o que fez, n'estas embaixadas que enviou, cá n?o ha por sua vontade de proseguir cousa que em sua honra e estado muito desfa?a, pelo qual Senhora, meu conselho é que pelo que a vosso habito, consciencia, e assessego pertence, acceiteis qualquer razoado partido que de Portugal vos fizerem, cá do contrairo sede certa, que cada vez recebereis mais dano, e mór paix?o.
Este desengano do conde de Faram foi muito louvado, e muitos do conselho o seguiram, e El-Rei o approvou, pelo qual por parte da Rainha logo se apontaram alguns meios, em que para ella requereram uma grande somma de dobr?es. E para alguns seus, casamentos assignados, e para outros satisfa??es de dinheiro, pago em certo modo e tempo, com outras cousas que tambem requereram, segundo que por escripto o apontaram, e com estes meios vieram os embaixadores a Portugal, com fundamento de logo tornarem com a concordia; e porque o Regente sem todo o reino e principaes d'elle n?o quiz n'elles tomar certo assento, seguiu-se no ajuntamento para isso tanta dila??o, que n'estes reinos, e nos de Castella principalmente sobrevieram em tanto cousas de taes afrontas e necessidades, que as da Rainha ficaram de todo por acabar, até que com ellas acabou também sua vida, como se dirá.

CAPITULO LXXXI
De como o Infante D. Jo?o falleceu, e que filhos d'elle ficaram
No fim do mez de Outubro d'este anno de mil e quatrocentos e quarenta e dois, o Infante D. Jo?o em a villa d'Alcacere do Sal acabou sua vida de febre, d'onde levaram seu corpo ao mosteiro da Batalha, onde tem sua sepultura, dentro da capella d'El-Rei D. Jo?o seu padre, e foi sua morte com d?r e tristeza de muitos muito sentida; porque era Principe de grande casa, e em que havia muitas bondades e virtudes sem algum vicio que as minguassem, em especial era muito amigo do bem commum d'estes reinos, que por elle mostraram claros signaes da
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