Chronica de el-rei D. Affonso Henriques | Page 4

Duarte Galvão
Mas tanto nestes, como nos assumptos que fazem o
immediato objecto dos capitulos que ajuntamos, ha lugar para
contestação, na qual não quizeramos aqui entrar: por não termos outros
fins em vista além da integração do texto d'um dos nossos antigos
Chronistas.
Não podemos comtudo deixar de apontar a infelicidade de Duarte
Nunes de Leão na formula de seus argumentos. De todos os factos
contenciosos que temos indicado fórma elle uma cadêa, cuja mutua e
necessaria dependencia julga intuitiva, e contentando-se com expor a
falsidade das allegações d'um só facto, pertende d'ahi inferir a falsidade
de todos; e deste modo d'argumentar conclue que a Snr.^a D. Thereza
nunca fôra 2.^a vêz casada, nunca teve desavenças com seu filho,
nunca suscitou o Rei de Castella contra elle, e que nem Egas Moniz
fôra offerecer-se a este com a corda ao pescoço, nem D. Affonso

Henriques prendêra sua mãi, nem o Papa tivera motivo algum para
enviar um legado a Portugal. Mal estava Duarte Nunes se voltassemos
o argumento contra si mesmo, e pela indubitabilidade do offerecido
sacrificio do Ayo de nosso 1.^o Rei, corroborassemos a verdade de
toda a narrativa de Galvão.
Fraco arguente era o Licenciado. O alto nascimento e as nobilissimas
allianças de sangue da Snr.^a D. Thereza erão para elle effectiva
salva-guarda em abono da virtude da mesma Senhora; e comtudo, nessa
mesma pagina, não acha elle absurdo em traspassar todo esse montão
d'infamias á propria irmã dessa mesma princêza, com quem igualava
em nobreza!
Algumas das suas razões não deixão de ter seu xiste. «O dito Snr. D.
Affonso» (o 6.^o de Castella) «como Catholico Rei que era, quando lhe
morria uma mulher, casava logo com outra»! E daqui funda elle motivo
para se crer que D. Ximena Nunes de Gusmão (mãi de D. Thereza) fôra
sua legitima esposa, que não concubina. Quanto ás circunstancias que
poderião afiançar alguma exactidão em Duarte Galvão,
contentar-nos-hemos com dizer que foi filho de um secretario de D.
João 1.^o e de D. Affonso V, e irmão d'um Bispo de Coimbra, e
Escrivão da paridade do ultimo citado monarcha. Elle mesmo foi
Secretario de D. João 2.^o, e alem de Chronista-mor, foi encarregado
de varias missões importantes. Temos portanto que nem relações nem
occasião pessoal lhe faltárão para certificar-se do que era verdade.
Sobre o Bispo negro não deixa de parecer especiosa a explicação que
offerece Fr. Joaquim de Santa Roza de Viterbo em seu Elucidario:--
«Muitos monges forão tirados dos Mosteiros para encherem o lugar de
Bispos: e como não depunhão o Habito Monachal, que era Preto, o
Clero se compunha á imitação do seu Prelado. Deste tempo ficou na Sé
de Coimbra a mal tramada Fabula do Bispo Negro. Este foi D.
Bernardo, Francez de Nação, Monge de S. Bento, e Arcediago de Braga,
feito por S. Giraldo, de quem escreveo elegantemente a vida. O
Principe D. Affonso Henriques (a despeito de sua mãi, a Rainha D.
Thereza, e todo o Clero e povo de Coimbra, que postulavão para Bispo
daquella Sé o Arcediago da mesma _D. Tello_) o nomeou Bispo de

Coimbra no anno de 1128. E como este monge nunca depôz o habito
dos Negros como então chamavão aos que professavão a Religião de S.
Bento, e os Conegos da Sé de Coimbra vestião branco, em razão das
grandes sobrepelizes que então uzavão; os mal affectos dizião que
tinhão naquella Sé um Bispo Negro, para não dizerem com maior
indecencia, e atrevimento, um Negro Bispo».
Elucidario, Tomo 1.^o pagina 285.
Mas esta explicação, recebida com cautella em quanto aos factos
allegados, não deve ter-se senão em conta de conjectura.
A copia dos Quatro Capitulos que aqui offerecemos ao publico foi
tirada sobre um nitidissimo exemplar manuscripto em pergaminho da
Chronica de Duarte Galvão que vimos em Santa Cruz de Coimbra, e
que deve hoje existir na Bibliotheca Publica Portuense. Este exemplar
era coetaneo dos tempos do Chronista-mor, e na encadernação e
riqueza das iniciaes illuminadas, inculcava ter pertencido a pessoa ou
repartição Real; e coincide, na discripção que fez Pedro de Mariz no
Prologo á sua intentada edição da Chronica de D. Affonso 4.^o por Rui
de Pina com os Codices que se guardavão na Torra do Tombo.
A copia é verbal, mas não julgamos conveniente conservar a
orthographia daquelles tempos.
Acautelamos os menos versados contra muita copia espuria da
Chronica de D. Affonso Henriques por Duarte Galvão, que se encontra
nas Bibliothecas Manuscriptas. A maior parte são compilações.
Igual advertencia fazemos em quanto ás copias que por ahi andão (e
algumas de pessoas doutas) destes mesmos Capitulos==.
Na presente edição os quatro capitulos entram na sua competente
altura.
G. Pereira.

CHRONICA DO MUITO ALTO, E MUITO ESCLARECIDO
PRINCIPE D. AFFONSO HENRIQUES PRIMEIRO REY DE
PORTUGAL,
COMPOSTA POR DUARTE GALVAÕ,
Fidalgo da Casa Real, e Chronista Mor do Reyno. Fielmente
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