Canções | Page 3

António Botto
madrugada.
Por fim,
Largando esse corpo
Que adormecêra cansado
E que eu
beijára loucamente
Sem sentir,
Bebia vinho, perdidamente,
Bebia
vinho... até cahir.
+IV+
Bemdito sejas,
Meu verdadeiro conforto
E meu verdadeiro amigo!
Quando a sombra, quando a noite
Dos altos céus vem descendo,
A
minha dôr,
Estremecendo, acórda...
A minha dôr é um leão
Que lentamente mordendo
Me devora o
coração.
Canto e chóro amargamente;
Mas a dôr, indiferente,
Continúa...
Então,
Febríl, quase louco,
Corro a ti, vinho louvado!
--E a minha
dôr adormece,
E o leão é socegado.
Quanto mais bêbo mais dórme:
Vinho adorado,
O teu poder é
enorme!
E eu vos digo, almas em chaga,
Ó almas tristes sangrando:
Andarei
sempre
Em constante bebedeira!
Grande vida!

--Ter o vinho por amante
E a morte por companheira!
+V+
Foi n'uma tarde de Julho.
Conversávamos a mêdo,
--Receios de
trahir
Um tristissimo segrêdo.
Sim, duvidávamos ambos:
Elle não sabia bem
Que o amava
loucamente
Como nunca amei ninguem.
E eu não acreditava
Que
era por mim que o seu olhar
De lagrimas se toldava...
Mas, a duvida perdeu-se;
Fallou alto o coração!
--E as nossas taças

Foram erguidas
Com infinita perturbação!
Os nossos braços
Formaram laços.
E, aos beijos, ébrios, tombámos;
--Cheios d'amôr e de vinho!
(Uma suplica soáva:)
«Agora... morre commigo,
Meu amôr, meu amôr... devagarinho!...»
+VI+
Quanto, quanto me queres?--perguntaste
Olhando para mim mas
distrahida;
E quando nos meus olhos te encontraste,
Eu vi nos teus
a luz da minha vida.
Nas tuas mãos, as minhas, apertaste.
Olhando para mim como
vencida,
«...quanto, quanto...»--de novo murmuraste
E a tua boca
deu-se-me rendida!
Os nossos beijos longos e anciosos,
Trocavam-se frementes!--Ah!
ninguem
Sabe beijar melhor que os amorosos!
Quanto te quero?!--Eu posso lá dizer!...
--Um grande amôr só se

avalia bem
Depois de se perder.
+VII+
Anda, vem... ¿por que te négas,
Carne morêna, toda perfume?
¿Por
que te cálas,
Por que esmoreces
Boca vermêlha,-rosa de lume!
Se a luz do dia
Te cóbre de pêjo,
Esperemos a noite presos n'um
beijo.
Dá-me o infinito goso
De contigo adormecer,
Devagarinho,
sentindo
O arôma e o calôr
Da tua carne,-meu amôr!
E ouve, mancebo aládo,
Não entristeças, não penses,
--Sê contente,

Porque nem todo o prazer
Tem peccado...
Anda, vem... dá-me o teu corpo
Em troca dos meus desejos;
Tenho Saudades da vida!
Tenho sêde dos teus beijos!
+VIII+
Se me deixares, eu digo
O contrario a toda a gente;
E, n'este mundo
de enganos,
Falla verdade quem mente.
Tu dizes que a minha boca

Já não acorda desejos,
Já não aquece outra boca,
Já não merece
os teus beijos;
Mas, tem cuidado commigo,
Não procures ser
ausente:
--Se me deixares, eu digo
O contrario a toda a gente.
+IX+
Ouve, meu anjo:
¿Se eu beijásse a tua pél?
¿Se eu beijásse a tua
boca
Onde a saliva é um mél?...
Quiz afastar-se mostrando
Um sorriso desdenhoso;
Mas ai!
--A

carne do assassino
É como a do virtuoso.
N'uma attitude elegante,
Mysteriosa, gentil,
Deu-me o seu corpo
doirado
Que eu beijei quase febríl.
Na vidraça da janella,
A chuva, léve, tinia...
Elle apertou-me, cerrando
Os olhos para sonhar...
E eu, lentamente,
morria
Como um perfume no ar!
+X+
Quem é que abraça o meu corpo
Na penumbra do meu leito?
Quem
é que beija o meu rosto,
Quem é que morde o meu peito?
Quem é
que falla da morte,
Docemente, ao meu ouvido?
És tu, Senhor dos meus olhos,
E sempre no meu sentido.
+XI+
Tenho a certeza
De que entre nós tudo acabou.
Deixal-o!
Bemdita
seja a tristesa!
--Não ha bem que sempre dure
E o meu bem pouco
durou.
Não levantes os teus braços,
Para de novo cingir
A minha carne de
seda;
--Vou deixar-te... vou partir.
E se um dia te lembrares,
Dos meus olhos côr de bronze
E do meu
corpo franzino,
Acalma
A tua sensualidade,
Bebendo vinho e
cantando
Os versos que te mandei
N'aquella tarde cinzenta...
Adeus!
Quem fica soffre bem sei;
Mas soffre mais quem se ausenta!...
+XII+

Tu mandaste-me dizer
Que tornavas novamente
Quando viesse a
tardinha;
E eu, para mais te prender,
--N'esse dia...
Pintei de negro os meus olhos
E de rôxo a minha boca.
As rosas
eram aos mólhos
Para a noite rubra e louca!
Entornei sobre o meu corpo,
--Que fôra delgado e bello!
O perfume
mais extranho e mais subtil;
E um brocado rôxo e verde
Envolveu a
minha carne
Macerada e varonil.
Os meus hombros florentinos,

Cobértos de pedraria,
Eram chagas luminosas
Alumiando o meu
corpo
Todo em fébre e nostalgia.
Nas minhas mãos de cambraia,

As esmeraldas scintillavam;
E as pérolas nos meus braços,

Murmuravam...
Desmanchado, o meu cabello,
Em ondas largas,
cahia,
Na minha fronte
Ligeiramente sombría.
Estava pallido e dir-se-hia
Que a pallidez aumentava
A minha
grande belleza!
Na minha boca ondulava
Um sorriso de tristeza.
A noite vinha tombando.
E, como tardasses,
Fiquei-me, sentádo, olhando
O meu vulto
reflectido
No espelho de crystal;
E afinal,
Nem frescura, nem belleza,
No meu rôsto descobri!
--Ó morte, não me procures!
E tu, meu amôr, não venhas!...
--Eu já morri.
+XIII+
Já na minha alma se apagam
As alegrias que eu tive;
Só quem ama
tem tristezas,
Mas quem não ama não vive.

Andam pétalas e fôlhas
Bailando no ár sombrío;
E as lágrimas, dos
meus olhos,
Vão correndo ao desafio.
Em tudo vejo Saudades!
A terra parece mórta.
--Ó vento que tudo
lévas,
Não venhas á minha pórta!
E as minhas rosas vermelhas,
As rosas, no meu jardim,
Parecem,
assim cahidas,
Restos de um grande festim!
Meu coração desgraçado,
Bebe ainda mais licôr!
--Que importa
morrer amando,
Que importa morrer d'amôr!
E vem ouvir bem-amado
Senhor que eu nunca mais vi:
--Morro
mas levo commigo
Alguma cousa de ti.
+XIV+
A vossa carta commove,
Mas, não vos posso acompanhar.

Deixae-me viver em penas;
--Vou
Continue reading on your phone by scaning this QR Code

 / 7
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.