As Minas de Salomão | Page 5

H. Rider Haggard
irmão possuia de seu, n'essa época,
umas duzentas ou trezentas libras. Um bello dia, agarra n'esta miseria,
toma o nome de Neville, e abala para Africa a tentar fortuna! Eu só o
soube tarde, mezes depois d'elle ter embarcado. Passaram tres annos.
Noticias d'elle, nenhumas. Comecei a andar inquieto. Escrevi-lhe.
Naturalmente as minhas cartas não lhe chegaram. E eu cada dia mais
afflicto! Para o snr. Quartelmar comprehender tudo bem, deve saber
que, desde pequeno, desde o berço, meu irmão foi a forte e grande
affeição da minha vida. E por outro lado a nossa questão, assim amarga
e aspera por sermos ambos muito novos e muito exaltados, nasceu de
quê? D'uma mulher. D'uma mulher cujo nome já quasi me esqueceu. E
meu pobre irmão, coitado, se ainda é vivo, não se lembrará mais que eu.
Ora aqui tem! E já por isto o snr. Quartelmar comprehende...
--Perfeitamente, perfeitamente...
--Pois bem, descobrir meu irmão passou a ser a minha idéa constante,
dia e noite. Mandei fazer aqui, no Cabo, toda a sorte de pesquizas. Um
dos resultados, o mais importante, foi a sua carta, snr. Quartelmar.
Importante porque me dava a certeza que, mezes antes, meu irmão
estava na Africa, e vivo. Desde esse momento decidi vir eu mesmo,
pessoalmente, continuar as pesquizas. Agentes, por mais dedicados,
mais bem pagos, não têm o interesse de coração: é com o coração
justamente que eu conto, com a perspicacia, a inspiração especial que
elle ás vezes possue. De resto sempre tencionei visitar as nossas
colonias d'Africa... E aqui tem o snr. Quartelmar a minha historia. O
mais extraordinario, é que o tivessemos encontrado logo, a si, a pessoa
justamente que viu meu irmão vivo, a pessoa justamente a quem eu me
ia a dirigir apenas chegasse ao Natal. Quer que lhe diga? Acho bom
agouro. Em todo o caso, aqui estou, prompto para tudo, com o meu
velho amigo, o capitão John, companheiro fiel de muitos annos, que
teve a dedicação de me acompanhar.
O outro encolheu os hombros, sorrindo, com a sua esplendida
dentadura.

--Não havia n'este momento nada interessante a fazer na velha
Europa!... Gasta, insipidissima, a velha Europa!
Depois, reenchendo o cachimbo, accrescentou muito sério:
--E agora que o nosso amigo Quartelmar conhece os motivos que nos
trazem á Africa, e o interesse que nos prende a esse homem chamado
Neville, espero da sua lealdade que não terá duvida em nos dizer tudo o
que sabe, ou tudo que ouviu, a respeito d'elle. Hein?
Impressionado, respondi:
--Não tenho duvida, por ser questão de sentimento.

CAPITULO II
PRIMEIRA NOTICIA DAS MINAS DE SALOMÃO
Sacudi a cinza do cachimbo na palma da mão, e comecei, muito
devagar, para tudo pôr bem claro e bem exacto:
--Aqui está o que ouvi a respeito d'esse cavalheiro Neville. E isto, que
me lembre, nunca, até ao dia d'hoje, o disse a ninguem. Ouvi que esse
cavalheiro fôra para o interior á busca das minas de Salomão.
Os dois homens olharam para mim, com assombro:
--As minas de Salomão!? Que minas?... Onde são?
--Onde são, não sei. Sei apenas onde dizem que estão. Aqui ha annos vi
de longe os dois picos dos montes que, segundo corre, lhes servem de
muralha. Mas entre mim e os montes, meus senhores, havia duzentas
milhas de deserto. E esse deserto, meus senhores, nunca houve
ninguem (quero dizer, homem branco) que o atravessasse, a não ser um,
n'outras éras. Porque toda esta historia vem muito de traz, de ha seculos!
Eu não tenho duvida em a contar, mas com uma condição: é que os
cavalheiros não a hão de transmittir sem minha auctorisação. Tenho

para isso razões, e fortes. Estão os cavalheiros de accôrdo?
--Com certeza!
Narrei então longamente tudo o que sabia, historia ou fabula, sobre as
minas de Salomão. Foi ha trinta annos que pela primeira vez ouvi fallar
d'estas minas a um caçador d'elephantes, um homem muito sério, muito
indagador, que recolhera assim, nas suas jornadas através d'Africa,
tradições e lendas singularmente curiosas. Tinha-me eu encontrado com
elle na terra dos Matabeles, n'uma das minhas primeiras expedições ao
interior, á busca do elephante e do marfim. Chamava-se Evans. Era um
dos melhores caçadores d'Africa. Foi estupidamente morto por um
bufalo, e está enterrado junto ás quedas do Zambeze.
Pois uma noite, sentados á fogueira, no matto, succedeu mencionar eu a
esse Evans umas construcções extraordinarias com que casualmente
dera, andando á caça do koodoo por aquella região que fórma hoje o
districto de Lydenburg no Transwaal. Essas obras foram depois
encontradas, e aproveitadas até, pela gente que veio trabalhar as minas
d'ouro. Mas ninguem (quero dizer, nenhum branco) as tinha visto antes
de mim. Era uma estrada enorme, magnifica, cortada na rocha viva,
levando a uma galeria sem fim, mettida pela terra dentro, toda de tijolo,
e
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