As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes | Page 9

Ramalho Ortigão
a id��a profunda de apparecer ella, unica e exclusivamente, a debellar unma catastrophe publica, esse homem fez aos partidos conservadores em Portugal um servigo incomparavel e deu uma prova de pericia e de habilidade que nunca se egualou e que se n?o p��de exceder.
Como se sabe, os partidos conservadores n?o t��em id��as, n?o podem e n?o devem tel-as; os que por excep??o as produzem commettem um erro fatal e s?o victimas do seu proprio acto. Em todo o statu quo toda a id��a nova �� um rombo. Quem no poder tem id��as, afunde-o. Nos regimens conservadores, como o que vigora em Portugal desde muitos annos, as id��as s?o erup??es revolucionarias extranhas �� ac??o governativa. A miss?o dos que governam n?o �� lan?ar na circula??o essas id��as, mas sim e unicamente vigiar o systema, como se vigia a coura?a de um monitor em batalha naval, e sempre que uma id��a penetre, rolhar o furo e disciplinar em seguida o elemento novo introduzido a bordo pelo projectil inimigo.
Aos governos conservadores n?o se pedem por conseguinte id��as: pedem-se expedientes. Expedientes para qu��? Para conservar. Como? Por todos os meios que produzam este resultado:--a consolida??o do que est��.
�� de dentro d'esta theoria, que encerra toda a sciencia de governar, que n��s dizemos: os conselhos a sua magestade a rainha, se alguem effectivamente lh'os deu (cremos que sim e diremos j�� porque) s?o o acto mais sabio, porque esse acto faz recair no assumpto o expediente mais adequado e mais proficuo.
Se o governo procurasse directamente estudar e resolver o problema da inunda??o, que succederia? A opposi??o contraditava-o. Na imprensa e na camara os partidos dissidentes discutiriam as medidas ministeriaes, controvertel-as-hiam, impugnal-as-hiam com argumentos, com sarcasmos, com insultos. Quem sabe se o governo assim batido tenazmente de bombordo e estibordo n?o acabaria por metter agua, iniciando um simulacro de alguma coisa parecida ainda que remotamente, com uma id��a?!
Que aconteceu, por��m, em vez d'isso?
Sua magestade a rainha, disse-se, toma a iniciativa de todos os soccorros ��s victimas da inunda??o. E sobre esta noticia publicada em grandes letras nos jornaes da manh?, o governo foi para a camara, cruzou os bra?os e esperou corajosamente que a representa??o nacional se manifestasse. Ent?o a opposi??o em peso, composta dos srs. Barros e Cunha, Osorio de Vasconcellos e Pinheiro Chagas, pediu a palavra pela bocca dos seus oradores.
O sr. Osorio de Vasconcellos disse:--?Partiu de alto a iniciativa; partiu de uma illustre senhora, de sua magestade a rainha. Pois congratulemo-nos com o paiz inteiro; congratulemo-nos com este sentimento homogeneo de caridade manifestado por todos os cidad?os sem distinc??o de classe e que veio em allivio e amparo da miseria, que �� geral (apoiados) do soffrimento que �� grande; das amarguras que s?o immensas... O nosso paiz foi sempre reconhecido pelos impulsos da caridade... Se porventura do alto do Golgotha o Divino Mestre, etc., etc.?
O sr. Barros e Cunha:--?Mando para a mesa a seguinte proposta que espero seja desde j�� votada por acclama??o: A camara prestando a caridosa iniciativa de que sua magestade a rainha houve por bem usar em beneficio das victimas das inunda??es a homenagem que lhe deve em nome do povo que representa, resolve que este voto seja lan?ado na acta das suas sess?es, e que uma grande deputa??o deponha aos p��s da augusta princeza o tributo do seu reconhecimento.?
O sr. Pinheiro Chagas, (fallando comsigo mesmo)--?Trago tambem aqui uma proposta da mensagem a sua magestade, feita com tanto patriotismo como a de Barros e Cunha e com mais grammatica. Visto, por��m, que a camara approvou a d'elle, vou p?r a minha em verso e levo-a para o Gymnasio. Tenho concluido.?
E na camara dos srs. deputados, onde o governo poderia ter sido violentamente e perigosamente accusado pela sua cumplicidade nos effeitos da inunda??o, os unicos tres deputados da opposi??o que n'este dia se achavam na sala n?o tiveram voz sen?o para louvar a caridade, para citar o Golgotha e para convidar uma grande commiss?o a ir dep?r nos degraus do solio os testemunhos mais humildes do reconhecimento popular!
A imprensa toda, unanimemente, confessou que sua magestade a rainha era indubitavelmente um anjo, ao qual todos os noticiaristas deviam permittir-se a liberdade de mexer um pouco nas azas em signal de gratid?o.
Depois da imprensa e da camara dos deputados vieram as corpora??es todas com o seu obulo e o seu communicado aos jornaes. Os soldados, os empregados das reparti??es publicas, os carpinteiros, os serralheiros, os cocheiros, etc. collocaram a sua prosa apologetica sobre os voadouros angelicaes da santa princeza: versos, hymnos, valsas brilhantes, speechs, mensagens, missivas particulares, desenhos �� penna, vivas, bordados a cabello e a missanga, hurrahs explosivos, tropheus emblematicos e pratos montados com figuras allegoricas, tudo concorreu n'esta immensa apotheose.
E, se, depois de tudo isto, o dique de Vallada ficou no estado em que anteriormente estava, o throno dos nossos reis,
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