fui escutado pelo dente não sómente me não escandalisa mas antes pelo
contrario me penhora como um testemunho de benevolencia a que não
ousava aspirar.
Concluindo, tenho a honra de propor que, depois de embrulhado
respeitosamente em um papel, o dente seja levado ás plantas do poder
moderador, para que sua magestade haja por bem resolver como lhe
approuver esta passageira crise. Faço votos por que o sr. Presidente do
conselho se apresse em pôr ao serviço da nação um novo dente.»
* * * * *
Approvada unanimemente a eloquente proposta do sr. Assumpção, o sr.
Presidente do conselho recolheu-se a sua casa a tomar bochechos
emolientes emquanto o resto do ministerio partia para o Paço a levar ao
soberano o dente resignatario.
Constou pelos jornaes quo apenas recebera o dente sua magestade se
dirigira a casa do sr. presidente do conselho, com o qual teve uma
entrevista de duas horas. Estas duas horas foram empregadas pela corôa
em procurar reintegrar, pelas suas proprias mãos, o dente caído na
maxilla do illustre estadista.
Diz-se que a corôa, suando em bica, esgotára, para consolidar o dente
caído no seu logar primitivo, todos os meios compativeis com as
disposições do codigo fundamental da monarchia. Sua magestade
tentára fixar o dente ao chefe do gabinete com obreias, com adhesivo,
com lacre, com pez, com gomma arabica, com barbante, com alfinetes
e com pregos.
O dente reagiu a todas as reaes instancias: o excelso politico, em cujo
queixo inferior elle se firmára durante cinco annos de gerencia
governativa não queria mais a confiança da corôa, queria unicamente
cosimento de malvas.
O monarcha lavrou então o decreto mandando o seu antigo ministerio
bochechar, e encarregou o sr. marquez de Avila e Bolama de reunir
com os seus amigos o numero de dentes necessarios para formar uma
gerencia duradoura e firme.
D'este encargo se desempenhou o sr. marquez com o zelo que o
caracterisa, e o actual ministerio nasceu.
* * * * *
Um dos nossos mais distinctos amadores, o sr. Luiz de Campos, acaba
de dotar o theatro de D. Maria com um drama, cujo exito constitue o
maior triumpho modernamente alcançado pelas letras portuguezas.
Não só os jornaes todos consagraram a esta obra louvores emittidos
com uma energia desusada, mas até a alta sociedade, de ordinario tão
parcimoniosa de curiosidade dispendida com a arte, patrocinou com
especial favor esta peça. O auctor teve a gloria de ver os seus finaes
d'acto applaudidos do fundo dos primeiros camarotes pelas mãos mais
aristocraticas. Nas situações patheticas do seu assumpto lagrimas
illustres sulcaram o pó d'arroz com que se perfumam os brazões das
mais nobres e distinctas familias. Finalmente no fim do espectaculo o
Poder Moderador, que assistira á representação em companhia da sua
familia, expediu um dos seus camareiros, o qual foi ao palco
cumprimentar o laureado dramaturgo, pedir-lhe desculpa de lhe não
pingar do alto do throno sobre o peito da casaca a commenda de S.
Thiago, e entregar-lhe em vez das insignias d'essa ordem excelsa e em
nome do referido Poder um cofre com uma pedra preciosa, que os
jornaes do outro dia pela manhã almotaçaram em 1:500$000 réis.
* * * * *
O drama do sr. Luiz de Campos intitula-se Leonar de Bragança e
encerra a historia d'aquella desditosa, cuja mocidade e belleza
feneceram de subito, surprehendidas no ventre por trez facadas com
que a brindou seu esposo, o mui nobre e poderoso duque de Bragança,
um dos antepassados do Poder que hoje nos rege, e ao qual, bem como
á sua familia, acima tivemos a honra de reportar-nos submissa e
respeitosamente.
O pretexto sob o qual D. Jayme damnificou com instrumento
perfurante o abdomen de sua mulher foram os amores d'esta com o
pagem Antonio Alcoforado.
Existiram effectivamente esses amores? Era a duqueza realmente
culpada de uma fraqueza anormal pelos pagens? Era Alcoforado um
honesto e leal servidor do principe D. Theodosio, ou era uma ratoeira
vil de duquezas incautas?
* * * * *
Ha duas opiniões ácerca do modo de considerar no theatro a natureza
d'este facto.
Na sua Leonor de Bragança, escripta em prosa, o sr. Luiz de Campos
entende que a duqueza é innocente. Na sua Leonor de Bragança,
escripta em verso, o sr. Alfredo Ansúr julga a duqueza culpada.
Os fados, que tão propicios foram á obra do festejado sr. Campos,
trataram adversamente a obra não menos estimavel do malogrado sr.
Ansúr. Julgamos do nosso dever protestar contra esta dura injustiça
pondo em cotejo as duas composições a que deu origem a tragica
aventura de Leonor.
* * * * *
No drama do sr. Luiz de Campos a culpa toda do nojoso sarrabulho
perpetrado por D. Jayme está unicamente, segundo diz o sr. Campos,
em haver o pagem um coração. O sr. Luiz de Campos emprega
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