diffundida pelas suas palavras �� sombra projectada pelas suas oliveiras; nega o movimento que creou pela inac??o em que caiu; desd�� finalmente todos os la?os de solidariedade que o prendiam aos seus compatriotas e aos seus similhantes, que vinculavam o seu destino intellectual aos destinos da patria e da humanidade.
O dia do nosso grande lucto nacional n?o �� aquelle em que expirou o solitario illustre, mas sim aquelle em que deixou de existir para o vertiginoso bulicio da vida publica o ardente escriptor, que no seio da multid?o fluctuante, estrepitosa, leviana, indifferente, perfida, trai?oeira, ingrata, lan?ava ��s pra?as e ��s ruas publicas, lamacentas e sordidas, as suas id��as de cada dia, nobres, castas, desinteressadas, aladas pelo alphabeto typographico, adejando sobre as immundicias e sobre as dejec??es da cidade, como douradas abelhas impollutas, que v?o de alma em alma sacudindo das azas luminosas em pollen diamantino a divina verdade.
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A isola??o de Herculano no remanso esteril do dilettantismo bucolico, comprometteu o destino mental d'uma gera??o inteira. Pelo intenso poder das suas faculdades reflexivas, pela eminencia do seu talento, pela auctoridade da sua palavra, pela popularidade do seu nome, pela reputa??o nunca discutida da sua honestidade, elle era o homem naturalmente indicado para assumir o pontificado intellectual do seu tempo. A ausencia d'essa auctoridade do espirito sobre o espirito foi uma catastrophe para a gera??o moderna.
Tudo se resentiu na sociedade portugueza, com o desapparecimento d'esse alto poder moderador, destinado a ser o nucleo do seu governo moral.
�� tribuna parlamentar nunca mais tornou a subir um homem cuja voz firme, sonora e vibrante levasse at�� os quatro cantos do paiz a express?o viril das grandes convic??es inflexiveis, dos altos e potentes enthusiasmos ou dos profundos e implacaveis desdens. Essa pobre tribuna deserta degradou-se successivamente at�� n?o ser hoje mais do que uma prateleira mal engon?ada com algum lixo e o respectivo copo d'agoa.
A imprensa decaiu como decaiu a tribuna. Assaltada pelas mediocridades ambiciosas e pelas incompetencias audazes, a imprensa tornou-se um tablado de saltimbancos de feira, convidando o publico a 10 r��is por cabe?a, para assistir, entre assobios e arremessos de cenouras e de batatas podres, �� representa??o da desbocada comedia, declamada em giria da matula por personagens sarapintados a vermelh?o e a ocre, que mostram o punho arrega?ado e sapateiam as taboas, como em sarabanda de negros e patifes, com os seus p��s miseraveis.
A politica converteu-se em uma vasta associa??o de intriga, em que os socios combinam dividir-se em diversos grupos, cuja miss?o �� impellirem-se e repellirem-se successivamente uns aos outros, at�� que a cada um d'elles chegue o mais frequentemente que for possivel a vez d'entrar e sair do governo. Nos pequenos periodos que decorrem entre a chegada e a partida de cada ministerio o grupo respectivo renova-se, depondo alguns dos seus membros nos cargos publicos que vagaram e recrutando novos adeptos candidatos aos logares que vierem a vagar. �� este trabalho de assimila??o e desassimila??o dos partidos, que constitue a vida organica do que se chama a politica portugueza.
A arte desnacionalisa-se e afasta-se cada vez mais do fio tradicional que a devia prender estreitamente �� grande alma popular.
A opini?o publica, marasmada pela indifferen?a, deshabitua-se de pensar e perde o justo criterio por que se julgam os homens e os factos.
Se um pensador da alta competencia e da grande auctoridade de Alexandre Herculano tivesse persistido durante os ultimos vinte annos �� frente do movimento intellectual do seu tempo, essa influencia teria modificado importantemente o nosso estado social.
Na politica ninguem como elle, com as suas opini?es extremas e radicaes, poderia originar a crea??o dos dois grandes e fortes partidos--o partido conservador e o partido revolucionario,--de cuja controversia depende essencialmente n?o s�� o progresso politico da sociedade portugueza, mas a propria conserva??o do seu regimen constitucional.
Na imprensa ninguem como elle poderia elevar a auctoridade da institui??o com a sua palavra t?o scintillante, t?o denodada, t?o propria para o debate, e com a sua experiencia t?o esclarecida pela convivencia e pela cultura da historia.
Na opini?o e no espirito publico, ninguem teria uma ac??o t?o segura e t?o decisiva, porque ninguem como elle gosou em Portugal d'um t?o inteiro prestigio e d'uma t?o completa e absoluta auctoridade.
Na arte, ninguem ainda mais proprio para levar a crea??o esthetica �� fonte nativa da inspira??o, �� tradi??o historica, �� raiz da paix?o e do sentimento nacional.
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Exercer essa alta direc??o dos espiritos �� nas sociedades modernas a miss?o dos grandes homens. Dos eminentes escriptores europeus d'este seculo Herculano foi o unico que espontaneamente abandonou na for?a da intelligencia e da vida o posto de honra a que cheg��ra pelo esfor?o do seu trabalho e pela posse dos mais felizes dons com que a natureza o dot��ra.
Guizot, Michelet, Buckle, Proudhon, Stuart Mill, todos os modernos, todos os que vieram depois de definido pela
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