As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes (1882-11/12) | Page 8

Ramalho Ortigão
chefe dessas institui??es, no dia do enterro de Sampaio, ia mitigar a sua d?r por essa morte, ouvindo a opera em S. Carlos.
No dia do enterro de Saraiva de Carvalho o mesmo augusto principe ia para o Gymnasio ver o atirador Paine quebrar globos de cristal a balas de pistola.
Comprehende-se a angustia profunda que assim impelliu o primeiro cidad?o portuguez a procurar nos interessantes phenomenos da balistica expostos por um pellotiqueiro impavido, ou nos falsetes garganteados por um tenor delambido, uma justa e equitativa compensa??o �� perda dos mais illustres dos seus compatriotas.
Referindo as circumstancias funebres d'estes obitos, a historia dir��:
_A familia dos mortos pediu desculpa de cumprimentos, e el-rei pediu ?bis? ao tenor Gayarre,--uma e outra coisa devida ao estado de consterna??o em que todos se achavam_.
E os prosteros, ao lerem esta pagina commovedora, verter?o lagrimas de enternecimento sobre esse testemunho eloquentissimo da delicadeza profunda de t?o excelso qu?o sensivel principe.
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Se n?o receassemos profanar a d?r t?o intima e t?o sincera do soberano, se n?o temessemos alancear, inopportunos, o seu extremoso cora??o, t?o manifestamente envolto em luctuosos crepes na occasi?o presente, n��s ousariamos formular humildemente uma debil pergunta:
Julga sua magestade que, assim como os principes t��em cora??o, o n?o t��em os povos egualmente?
Quando, em vez das testas communs e opacas, s?o as fulgidas e rutilantes testas coroadas, as que Deus, levantando-se respeitoso para esse effeito do alto do throno celestial, resolve com a devida, considera??o chamar ��s alturas, a fim de as fixar com a demais brilhanteria no interessante museu da Via Lactea,--julga por acaso Sua Magestade que n'esses pomposos lances, n?o choram t?o dolorosamente os subditos pelos seus bons reis como os reis choram pelos seus bons subditos?
Cuida Sua Magestade que n?o nos faz t?o grande mossa o baque de um grande principe que ha por bem fallecer, como a que em sua magestade faz a queda de um honrado cidad?o que morre?
Oh! mas que Sua Magestade se digne de nos fazer essa justi?a:--�� perfeitamente a mesma coisa!
Que Sua Magestade o queira ponderar perante o afflictivo transe por que acaba de passar o seu cora??o generoso e paternal!
Quando o sino grande da S�� badala o dobre supremo dos obitos reaes, quando as molas dos regios coches inclinam a orelha tetrica sob as gualdrapas funerarias dos solemnes sahimentos, quando os escudos das quinas se quebram no marmore dos monumentos ao som cavo de uma voz que proclama--Real, real, real, por el-rei de Portugal,--a alma do povo p��de bem, como a do principe em lances correlativos, precisar, para o fim de n?o succumbir �� intensidade da d?r, de appelar ent?o por seu turno para os santos balsamos que escorrem das cavalletas das operas e das proezas do tiro ao alvo.
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Ousamos por tanto esperar, submissos e confiados, que--tendo em vista, os dolorosos e excruciantes paroxismos que p��de attingir a saudade, tanto no cora??o do povo, como no cora??o dos principes,--sua magestade se digne de mandar sem demora revogar a lei dura e deshumana que por occorrencia dos obitos de pessoas reaes manda vedar ao corrente pranto das gentes o lacrimatorio dos divertimentos publicos.
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A policia, tomada de um d'esses accessos de zelo intermittente que ��s vezes acomette esta veneranda institui??o, acaba, de assaltar varias casas de batota em Lisboa, no Porto, na Povoa de Varzim e em Vizeu.
Todas essas diligencias se fizeram com grande exito.
A policia foi p�� ante p��, como o c?ro dos carabineiros nos Bandidos de Offenbach, e deu em cheio nas maroscas, capturando os jogadores e apprehendendo os baralhos, as roletas, a mobilia da casa, o dinheiro da banca e o dos parceiros.
O Diario do Governo d'ontem traz a este respeito uma portaria de louvor, na qual o ministro do reino, em nome de sua magestade el-rei, elogia a policia pelo bem que andou, n?o s�� capturando os jogadores, mas--como muito bem acrescenta a portaria--apprehendendo outro sim algum dinheiro e mobilia.
Como bons subditos fieis e amantes, folgamos de veras com a satisfa??o intima e cordial que sua magestade el-rei houve por bem experimentar e redigir em prosa official, ao ver os reditos do Estado felizmente acrescentados com algumas cadeiras e alguns cobres, agilmente surripiados pelos representantes da lei a viciosos cidad?os, improvidos e desapercebidos.
No Porto o z��lo policial n'esta diligencia chegou ao ponto de emboscar nas ruas os esbirros para prender os jogadores no acto de entrarem para as jogatinas.
N?o pretendemos julgar o ponto de vista das auctoridades constituidas sobre o assumpto batotas, porque estamos convencidos de que essas auctoridades, morigeradas e pudibundas, n?o foram nunca ��s casas de jogo, o que as desarma de toda a habilita??o precisa para se poder discutir com ellas sobre esta quest?o.
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O que escreve estas linhas esteve pela derradeira vez n'uma batota, em S. Jo?o da Foz,
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