do sal?o o estrado destinado �� meza era coberto por um docel de velludo carmesim franjado d'ouro sobre o qual se destacava na doce pallidez do marfim uma imagem de Jesus cravado de brilhantes na cruz d'ebano. Esveltos soldados da milicia papal, em grande uniforme, de capacetes rutilantes e bigodes recurvos, fazem alas lendo ao tiracollo as bandas symbolicas de seda branca e ouro. O alto clero que vem tomar assento na assembleia passa em pompa, gravemente, por cima do tapete de Smirna desenrolado ao longo da sala. �� frente, os cardeaes com as suas purpuras ro?agantes; depois os bispos inglezes, os de Gand, de Tournay, de Namur, appoiados aos seus baculos, e os sacerdotes do rito armenio, de grandes barbas, chapeus altos sem abas com veus roxos, empunhando as suas longas bengalas de cast?o de ouro.
Foi no congresso de Malines que De Montalembert, o antigo collaborador do abbade Lamennais, proferiu o seu monumental discurso sobre a egreja livre no estado livre. De Montalembert acreditava ainda na possibilidade de uma allian?a entre o espirito ecclesiastico e o espirito scientifico do mundo moderno, e o seu discurso �� n'esse intuito um manifesto de uma rara eloquencia apaixonada, profundamente convicta.
?Em toda a parte excepto na Belgica--disse elle--os catholicos s?o inferiores aos seus adversarios na vida publica, porque os catholicos n?o souberam ainda congrassar-se com a grande revolu??o que gerou a nova sociedade, a moderna vida dos povos. Em presen?a da sociedade moderna os catholicos sentem-se timidos e confusos; teem-lhe medo. N?o aprenderam por emquanto a conhecer, a amar a sociedade em que vivem. Muitos est?o ainda, pelo cora??o e pelo espirito, ligados ao antigo regimen, isto ��, a um systema que n?o admittia nem a egualdade civil, nem a liberdade politica, nem a liberdade de consciencia. O antigo regimen tinha o seu lado grande e bello; n?o pretendo julgal-o aqui, e muito menos pretendo condemnal-o. Basta-me reconhecer-lhe um deffeito, mas esse capital: est�� morto, e nunca mais resuscitar��.?
Em seguida Montalembert demonstra que n'este seculo a egreja ou ha de cessar de existir ou ha de viver na democracia e na liberdade. A egreja, ou n?o tem mais que fazer no mundo, ou tem que contribuir ainda como nos tempos que fizeram a gloria do seu passado, para a perfectibilidade do espirito humano, intervindo no progresso pelo combate da livre raz?o contra todas as usurpa??es, contra todos os privilegios, contra todas as tyrannias exercidas sobre a inviolavel fraternidade humana.
A liberdade �� uma s��, unica, indivisivel e sagrada, expressa pelo predominio dos poderes espirituaes sobre os poderes temporaes, representada na parte dynamica pela sciencia, na parte statica pela religi?o.
Na sciencia a liberdade consiste no direito de descobrir a verdade e de a proclamar sem disfarce e sem restric??o alguma como base das rela??es do homem com o homem na independencia absoluta da revela??o e da f��. Na religi?o a liberdade consiste, como dizia Guizot, no direito que tem a consciencia humana de n?o ser governada nas suas rela??es com Deus por decretos ou por castigos humanos.
?Catholicos--disse Montalembert--se quereis a liberdade para v��s, entendei-o bem, �� preciso que a queiraes egualmente para todos os homens e debaixo de todos os ceus. Se a pedirdes para v��s unicamente, n?o a tereis nunca: dae-a em toda a parte onde fordes senhores para que vol-a deem em toda a parte onde fordes escravos.?
Esta energica apologia da liberdade, enthusiasticamente applaudida, levou o congresso de Malines a ridigir nos seguintes termos uma das resolu??es da assembleia: ?�� do interesse dos catholicos, assim como do todos os cidad?os que sinceramente querem a liberdade, o substituir quanto possivel a interven??o e a omnipotencia do estado pela energia creadora e pelo principio expansivo do espirito de associa??o.?
* * * * *
Vejamos agora quaes foram os resultados praticos d'esse grande impulso de eloquencia destinada a fazer entrar o catholicismo no movimento liberal da moderna civilisa??o. Os destinos da egreja n'este fim do seculo XIX est?o profundamente ligados a esse facto culminante na historia das ideias clericaes.
O que succedeu no congresso de Malines foi que os cardeaes e os bispos abandonaram a reuni?o no dia immediato ��quelle em que Montalembert fizera o elogio da allian?a da egreja catholica com a sciencia e com a liberdade.
Compareceram apenas nas sess?es subsequentes os membros obscuros do baixo clero, os quaes movidos de um generoso impulso democratico continuavam a applaudir Montalembert, n?o sem perguntarem a si mesmos com certa inquieta??o o que se pensaria em Roma dos discursos e das resolu??es do congresso belga. A resposta n?o se fez esperar. Tres ou quatro mezes depois Pio IX escrevia ao arcebispo de Munich uma carta, em que pelo maneira mais formal censurava a audacia dos catholicos que ousavam reunir-se em congressos para proclamarem por sua conta a liberdade da sciencia.
Esta missiva, pouco terna para com os congressistas de Malines, n?o
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