a mais duradoura gloria litteraria do
seculo do felicissimo principe, augusto pae de vossa alteza.
Os litteratos vindouros, chamados a illustrar pelo lavor de suas pennas
o reinado de vossa alteza, procurarão á porfia imitar esta obra sublime.
Porém de balde. Porque nada ha mais inimitavel, pela affabilidade do
trato sobretudo, do que o critico no estado benigno de morto. Seremos
pois os classicos da lingua, nós outros, para esse tempo. Seremos os
Vieiras e os Bernardes do cyclo do rei Luiz, o venturosissimo. As
academias archivarão, como preciosas reliquias, a lanterna e o bordão
nodoso com que atravessamos a vida espargindo sobre a terra a luz e as
pisaduras. Vossa alteza, octogenario, coroado de cãs, porá os seus reaes
oculos para nos ler aos seus netos, aos quaes vossa alteza dirá, batendo
com os nós dos dedos sobre a nossa obra amarellecida e veneranda:
--O velho rei Carlos foi tão bom e tão prasenteiro rei como o principe
seu progenitor, mas faltaram-lhe Curcios e Livios d'esta laia para o
immortalisarem no eterno jubilo das gentes!
E vossa alteza soluçará de saudosa magoa sobre as cabeças infantis da
sua prole, considerando-se um monarcha desditoso por que na vasta
perspectiva do seu reinado lhe faltou a projecção grandeosa d'esta obra
cathedralesca.
Queira vossa alteza ir sempre seguindo, por partes.
Que é que as duas camaras do parlamento teem botado durante o
decurso dos ultimos quinze annos em beneficio da educação de vossa
alteza ou da educação d'alguem que seja n'este mundo?
Nada, serenissimo senhor! pela palavra nada!
Hade ter constado por certo a vossa alteza o que elles ainda
ultimamente fizeram com um projecto de lei sobre a instrucção
secundaria, o qual Thomaz Ribeiro, esse bem-quisto vate, ministro de
vossa alteza e porta-alaúde da sua côrte, arrancou a ferros das entranhas
da musa para o mandar para a mesa como uma especie de gémea
administrativa da Delphina do mal.
Como vossa alteza não era a esse tempo regente soberano do reino, e se
achava ainda então sob o dominio da auctoridade paterna, não sabemos
se lhe teriam permittido a leitura d'esse debate ...
Foi uma coisa enorme, respeitavel senhor!
Um queria que lhe abolissem o latim, lingoa morta e má lingoa,
sevandijada de verbos exquisitos, como sum-es-fui e outros que taes; e
em substituição pedia disciplina psychologica, que era para os rapazes
ficarem bem ao facto da alma humana. E voltando-se para a meza, o
orador berrava:
--Eu cá, snr presidente, não me importa com Tito Livio, nem me
importa com ninguem n'este mundo. Alma e mais alma para cima do
alumno, que é do que os rapazes precisam para ir para leis!
Outro queria religião, porque sem religião o que é o homem? O homem
sem religião é, com licença, um bruto. E citava Renan que fôra visinho
d'elle em Paris e que não era bruto. Porquê? Porque tinha temor de
Deus,--de noite, ás escondidas, em casa. O orador soube-o pela porteira
do predio.
Houve um deputado que insistiu em que se affastasse o publico dos
lyceus, porque muita canalha junta não aprende nada. Um menino até
dois é o dado para os mestres todos se concentrarem e fazerem uma
educação capaz.
Houve mais um que pediu institutos de instrucção secundaria para a
mulher, pela rasão de quê, segundo elle, se tornava mister que a mulher,
que é já a rosa, fosse tambem o perfume. Textual!
E houve ainda um outro que, abundando nas ideias do precedente,
exclamou enternecido, com os olhos em alvo: _É indispensavel, snr.
presidente, que os dois sexos, o masculino e o feminino, caminhem na
senda do futuro ao lado um do outro, de mãos dadas_. Egualmente
textual!
Emfim, ao cabo de vinte dias de discussão, a decencia obrigou a agarrar
no projecto pelas orelhas e a leval-o de rastos para a camara dos pares;
mas como esta camara o não quiz por coisa nenhuma do mundo, o
ministro das Flores d'alma, e do Reino, levou-o para casa no louvavel
intuito de o pôr em verso. E consta agora que o vão aproveitar sob a
forma de magica no theatro de D. Maria.
Logo depois da instrucção publica não viu vossa alteza como elles
pegaram n'uma questão d'arte?!...
Lembra-se um de fallar no leilão do diplomata Zéa Bermudez, o qual
reunia ás qualidades do mais excellente homem uma pequena collecção
d'arte com quatro potes etruscos.
Ao ouvir fallar pela primeira vez durante toda a sua longa carreira
parlamentar em quatro potes etruscos, a camara e o governo
embasbacaram por um momento, mas recahindo immediatamente em si
com maravilhosa presença de espirito, camara e governo menearam as
cabeças familiarmente, como se cada um dos legisladores não tivesse
feito desde muito pequeno outra coisa senão jogar a pucara com potes
d'esses.
Houve um assentimento geral na assembleia, e os gestos e
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