de mim! assim calcada, Sem que possa vingar-me!.." Aqui
lhe brótão As lágrimas em fio, entre soluços Suffocada, emmudece.
Depois de curto espaço, a Morte horrenda, A fronte definada
meneando, Alça a medonha voz, e assim responde Á consternada
Furia:
"Não te desdenho, ó Filha: do meu throno Tu és robusto apoio; os teus
serviços A obrigação me impõe de ser-te grata: Morrerá quem te
affronta"
Disse; e n'astea da Fouce o corpo firma, Ergue-se, e ensaia para o vôo
as azas: Nos cantos da caverna os negros Mochos Soltão da morte o
grito.
Eis que estranho clarão, rompendo as trévas, Súbito inunda a lôbrega
morada; Eis apparece (mortal raio á Invéja) Em branca nuvem Lysia.
Brando surriso esmalta-lhe o semblante, Nos olhos o prazer lhe
reverbéra, Luz-lhe na dextra lâmina de bronze, Qual astro, fulgurosa.
Com garbo magestoso a vestidura Sobraça roçagante; e assim que
arrósta O Nume aterrador, na voz suave Taes expressões lhe envia:
"Chorosa, amargurada, longo tempo Curva ante o Solio do adoravel
Fado, Ferventes rogos, humidos de pranto, Fiz subir-lhe á presença.
De Elmano, do meu Vate a vida em risco: Meu coração materno
consternava: Elle era a gloria minha; ella morrêra, Se morresse o meu
Vate.
Regeitado, porém, não foi meu rogo: O Fado para mim sempre
benigno, Risonho me outorgou (mercê não tenue) O suspirado indulto.
Eis o Decreto seu:" (e entrega ao Monstro A lâmina de bronze.) Ao
vê-lo a Parca, Depondo a curva Fouce, inclina a frente, E reverente o
beija.
"Cumpre-se, ó Lysia, (diz) a Lei do Fado." Exulta Lysia, e presurosa
surge Da habitação medonha: opácas sombras De novo alli se
espessão.
Oh que horrendo espectaculo não era A Invéja furiosa, ardendo em
raiva! Da dextra, da sinistra a serpe, o facho Arreméça convulsa.
As melenas, frenéticas, arrepéla, E de áspides alastra o pavimento; Na
boca, onde as espumas são veneno, As maldições lhe fervem.
Torcendo, e retorcendo os vesgos olhos, Vaguêa delirante a vasta
furna: A Morte, a propria Morte, ao ver-lhe as furias, Treme no throno
horrendo.
O Fado, contra quem vomita o Monstro Negra turma de pragas,
indignado Manda ronque o trovão, fuzile o raio, E sobre ella desabe.
A Furia, remordendo-se, baquêa, E no bojo inflammado o Inferno a
sorve. Em tanto a grande Lysia, exultadora Vôa a abraçar seu Filho.
* * * * *
*EPISTOLA*
Feita no julgado ultimo periodo de vida do Senhor Manoel Maria de
Barbosa du Bocage.
EPIGRAFE.
Rebus angustis animosus as que Fortis appare. Horat. Od. 7. liv. 2.
Se póde hum mocho, piador nas selvas Brancas plumas cobrar, surgir
de noite, E dos pios colher vozes sonóras, Tendo assumpto sem par,
Heróes cantando! Não sou ave infeliz, odeio as trévas; Minha essencia
mudei; encaro o dia, O dia, que nasceo na luz d'Elmano. Ó tu
Dominador, de quem domina No medonho poder d'escuro pégo, Onde
morre o Vulgar, existe o Grande; Em que ufana de Ti a Eternidade,
Dos limites sahio, mandou soberba Aos Futuros pasmar, tremer aos
Fados; E nos Livros ao tempo sobranceiros O teu nome esculpir, dar
vida ás letras; Que sedentas té'li de iguaes talentos, Sem a mira lançar
a mais, ou tanto, Novo campo não dão a novo entalhe. Accolhe os
versos meus, os meus louvores, Que o pêjo suffocou; mas cede o pêjo Á
voz da Gratidão, que em mim resôa. Que inaudito prazer me surge
n'alma!.. Elmano, Elmano meu, do Mundo gloria, Quando penso que
os sons adormecidos Da Lyra (que em temor céde á vontade) Vão dos
Astros romper luzente Espaço, Indo aos Numes levarão, que he dos
Numes Esta empreza, que os Ceos no seio acolhem, De que hes justo
crédor, que humilde off'reço, Hade a Jove aprazer, durar em Jove. Se
ao jugo dos Mortaes, se ao Fado, á Morte Inda liga tua alma a terrea
massa, Se em tormentos, se em ais, se em dor, se em pranto A
substancia languece, que te anima, E de humano a pensão (dever
custoso) No continuo pular do sangue ardente[1] Encaras com temor;
temor não tenhas! A morte para o Sabio he gosto, he vida. Assim o
grão Camões, de Lysia esmalte, E das grandes Nações portento,
espanto, Na desgraça morreo, viveo na morte! E o Nume atroador de
Pólo a Pólo, Por cem aureos canaes fendendo os ares, Inda o nome do
Heróe espalha ufano, Inda alentos lhe dá, vida mais nobre. Quebradas
as prizões aos ser terreno, Que te véda subir de Vate a Nume, Hade os
tubos encher com sôpro estranho, E teus versos mandar ao Ceo da
Gloria. Não julgues, que se, Heróe, zombas da morte, Encarando teu
mal desdenho o pranto Hade Lysia chorar, darão os Lusos Do pranto,
que a razão sanar não sabe, Grossas agoas ao Téjo caudaloso, Que
dos limites seus fugindo irado, Vá
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