A virtude laureada | Page 2

Manoel Maria de Barbosa du Bocage
fel em
dobro. A filha tua, a misera Indigencia, Que muda te escutou piedosas
mágoas, Comtigo vem gemer, carpir comtigo A moral corrupção, que
empesta o Globo. Plagas e Plagas, entre as Socias minhas, Entre as
mansas Virtudes, hei vagado. Pela voz da Pureza (a que he de todas A

mais formosa) deprequei o auxilio De inchado Cortezão, que hum Deos
se cria. Melindre, Candidez, virginea Graça (Qual flor, em que era
orvalho o doce pranto) Aos olhos do Soberbo expôz seus males. De
gesto accezo, ovante, elle a contempla, Nem hum momento á dor
constrange o vicio: Em vil proposição, que as Furias dictão, Profana da
Innocencia o casto ouvido, E em cambio da virtude exige o crime.
Sciencia.
Ceos! Que infamia! Que horror! Prosegue, ó Filha, Sucumbio a
Innocencia á vil proposta?
Indigencia.
Não, que nos olhos meus velavão Deoses, Fautores da Virtude: escuta e
folga. O celeste rubor, que tinge a Aurora, Sóbe á face gentil, e as rosas
brilhão, Mas súbito tremor branquê-as logo; Ei-la, d'olhos no Ceo,
recúa e geme: Eu, porém, que no effeito observo a causa, Ao seductor
pestifero arrebato O objecto divinal, que o torna hum Monstro.
Sciencia.
Olha o Ceo na Innocencia a imagem sua.
Indigencia.
Murchas no horror do abominavel caso, Inda comtudo as esperanças
minhas Levei de lar em lar; devendo a poucos Piedade accidental, bati
cem vezes Ás surdas portas de sumido Avaro, (Sumido em subterraneo
abysmo de oiro) Fallára o Monstro, se fallasse a Morte, O silencio dos
túmulos o abrange Ante o metal (seu Deos), que em férreos Cofres C'o
a vista famalenta o Vil devora Servos delle (o poder he tal do exemplo!)
Depois de longo espaço, e vans instancias, C'hum desabrido - Não - me
affugentárão.
Sciencia.
De tudo ha Monstros mil na Especie humana, Mas todos vence da

Avareza o Monstro.
Indigencia.
Attende ao mais, e adoçarás teu pranto. Do centro da Impiedade em fim
retíro Os fatigados pés, e os guio aos Campos, Absorta nas imagens
carinhosas, Com que affagais a idéa, oh aureos Tempos.
Sciencia.
Se alli não ha Virtude, onde he que existe!
Indigencia.
Pobre choupana, que forravão colmos, Humildes lares, que zelava hum
Nume, Attrahem meus olhos, e meu passo animão. Chego, e curvo
Ancião, que alli repousa, Grande em seu nada, na indigencia rico,
Sorrindo-se, me acolhe, amima, e nutre. Santa Hospitalidade! Eras a
Deosa, Que o rugoso Varão, madura Esposa, E imberbe Prole sua,
abençoava! Com milagrosas mãos os parcos fructos Nas arvores
fadadas avultando, Para os errantes, pálidos Mesquinhos, Que eterna
Providencia lá dirige, Leda colhias saboroso alento, E qual outr'hora a
hum Deos, incluso no Homem, Muito do pouco a teu querer surgia.
Hospitalidade.
Conferio-me esse dom quem té no insecto Provê, do que lhe cumpre, a
tenue vida. Deixando influxos meus no casto alvergue, Onde
Beneficencia e Paz convivem, Acompanhar-te quiz ao vasto Emporio
De Lysia, do Universo, á Grão Cidade, Que espelha os Torreões no
vitreo Téjo, Donde sagradas Leis despede ao Ganges. O Globo he puro
aqui, e aqui parece Estar inda na Infancia a Natureza, Bella, serena,
candida, innocente: Principe amado, imitador dos Numes, Ao Público
Baixel menêa o leme; Numéra os dias seus por Dons, por Graças, E o
Mérito sem susto encara o Throno: Se o gravame do Sceptro acaso
inclina, He sobre os hombros de Ministros puros, Dignos do alto
esplendor, que sahe da escolha. Hum delles, cujo nome he caro aos
justos, Que tem, que exerce o Ministerio santo De velar sobre o público

Repouso, Que encarcéra, agrilhôa, opprime o vicio, O contagio dos
máos aos bons evita, E em piedoso Recinto abriga, instrue A Puericia,
que em flor dispõe ao fructo, Luceno, o Zelador dos sãos costumes, Pai
do Infortunio, da Sciencia amigo, Guarida vos promette, exponde,
exponde Ao Ministro exemplar, meu claro Alumno, A vossa condição:
vereis descer-lhe Dos olhos Paternaes amavel pranto, Proveitoso,
efficaz, não pranto esteril, Que momentaneas sensações produzem, E o
Mérito infeliz, qual vírão, deixão. Em Luceno o favor segue a piedade,
Mortal, que os Immortaes sem custo imita, E o bem, só porque he bem,
desenha, opéra. Eia, vinde: eu vos guio aos bem fazejos Lares seus,
Lares meus; sereis ditosas, Oh Sciencia! Oh Penuria: os Ceos o
ordenão.

*SCENA II.*
O Genio da Nação, e as mesmas.
O Genio da Nação.
Os Ceos o ordenão, sim, vai, guia, oh Deosa, Essa illustre Infeliz, e a
mesma Prole Ao Magistrado eximio, ao Grande, ao Justo; Cessem
queixumes, esperanças folguem. Ide, o Genio de Lysia, eu que dos
Deoses Tive alta commissão de olhar por ella, De engrandecer-lhe, de
affinar-lhe a Gloria, E honralla de opulencia incorruptivel; Eu, que
espontaneo dera o gráo de Nume Por este, que exercito, augusto
emprêgo De escudar Lysia co' pavêz dos Fados, Oh Penuria! oh
Sciencia! Eu
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