A velhice do padre eterno | Page 8

Guerra Junqueiro
barão dos Evangelhos.
Penetremos na egreja a vêr esta farçada.
Uns entram para vêr a casa
illuminada,
Os dandys é por _chic_, os velhos por _decôro_;
Estes
é para ouvir tocar umas quadrilhas,
E os outros, que sei eu!... para
vender as filhas,
Para matar o tempo ou arranjar namoro.
Lá vai o pregador dizer a seremonata
Tussiu cuspiu, sorriu, bebeu a
sua orchata
E começa a fallar. Tem uns bonitos dentes.
E com gesto
facundo e voz amaneirada
Receita una enfiada
De tropos excellentes.
Acabou se. O auditorio
Gostou do farelorio
Como gostámos nós.

Soltam-se exclamações por entre algum rumor:
--_Muito bem! muito
bem!_--_É um grande pregador!_--
--_Foi um rico sermão!_--_E que
bonita voz!_
E é esta a tua casa, ó meu pobre Jesus!
Não te bastou a cruz;
Era preciso o altar,
Que destino cruel, que
tragica ironia!
Nasces na estrebaria,
Vives no lupanar!

Desfila pela rua immensa multidão.
Saiu a procissão;
Paremos um instante. É curioso isto.
Que farças
imbecis, que velhas pompas mudas!
Lá vae pegando ao palio o teu
amigo Judas,
Que está, como tu vês, commendador de Christo!
Os anjos theatraes caminham lentamente
Com azas de galão feitas
expressamente
Nas lojas de Pariz.
Pobres anjos do céo! querem martirisal-os:
Vão
cheios de suor e apertam-lhe os calos
As botas de verniz.
Agora passas tu n'um palanquim bordado.
Coidado!
Muito trabalho tem quem faz religiões!
Repara como vais,
olha que bella tunica:
É pavorosa, é unica!
Off'receu-t'a um burguez n'um dia de eleições.
E atraz do velho andor e atraz das velhas opas
Vão desfilando agora
os esquadrões das tropas
Com gesto marcial.
Tu que amavas os bons, os simples e as creanças,

Seguido como os reis d'um matagal de lanças,
Meu pobre general!
Terminou a funcção. É negro o firmamento.
Ai que aborrecimento!
Ó meu Jesus, que tedio!
Para poder dormir,
para poder ceiar,
Que hade a gente fazer? vamos ao lupanar,
Não ha outro remedio.
Alli tens, meu amigo, os conegos vermelhos:
Que rostos joviaes,

brunidos como espelhos,
Que riso debochado e gesto vinolento!
E á
noite, a esta hora, uns padres sem batinas
Do certo não virão pregar
ás concubinas
O 6.^o mandamento!
Os teus guardas fieis depois da procissão,
Já roucos de cantar um
velho cantochão,
Deixaram-te no templo abandonado e só.
Uns
vieram beijar as carnes prostituídas,
E os outros foram lêr no quarto,
ás escondidas,
Romances de Bollot.
E como a noite é linda! a branca lua passa,
Ostentando na fronte a
pallidez devassa
D'uma infeliz mulher.
Quando tudo fermenta e tudo anda de rastros

Já não deve admirar que a siphilis chegue aos astros
E precisem
tambem xarope de Gibert!
Meu Pae, vamos ceiar. É quasi madrugada;
É a hora do tom, a hora
consagrada
Para os ricos festins á viva luz do gaz.
É a hora da
morte, a hora do atahude,
E a mesma em que repoisa a candida
virtude
Nos braços de Faublas.
Anda não tenhas medo, entra no restaurante.
A sala está repleta. A
purpura brilhante
Dos desejos inflama os sonhos tentadores.
O
champanhe sacode os craneos embriagados,
E os crimes sensuaes e
os vicios delicados
Rompem n'um turbilhão de venenosas flôres.
O punch, illuminando as faces cadavericas,
Faz-nos imaginar as
saturnaes chimericas
Que á noite deve haver na _morgue_ de Paris,

Aonde as cortezãs, mais roxas que as violetas,
Ao luar cantarão as
verdes cançonetas

Das podridões gentis.
Volteiam pelo ar os ditos picarescos,
Elasticos, febris, doidos,
funambulescos,
Como gnomos de luz vestidos de histriões,

Dançando, tilintando os guisos argentinos,
Fazendo á luz do gaz
tregeitos libertinos
Com o riso cruel das hallucinações.
Ceiemos. Manda vir as coisas que preferes;
E que nos vão buscar
duas ou tres mulheres,
Que as ha perto d'aqui;
O mais, pede por boca, o meu divino mestre;

Mas escuta, olha lá, não peças mel silvestre,
Porque já se não usa e
riem se de ti.
E agora é destampar a rubra fantasia!
Bebe, pragueja, ri, inventa,
calumnia,
Anda! mostra que tens espirito, ladrão!
Não quero vêr
chorar os olhos teus contrictos;
Sê canalha com graça, infame com
bons ditos,
Vamos, semsaborão!
Conta-nos em voz alta historias bem galantes,
Segredos irritantes,
Vergonhas sensuaes,
Adulterios da moda,
escandalos, miserias,
Tudo isto, já se vê, com optimas pilherias,
Bastante originaes.
Tu precisas perder esse teu ar de adventicio
E um certo horror ao vicio,
D'um pedantismo ignaro;
Formosura
sem vicio é coisa que não tenta;
O vicio, meu amigo, é bom como a
pimenta,
E o defeito que tem é ser um pouco caro.
Conversemos, alegra a tua fronte augusta.
Sê espirituoso, inventa, o
que te custa!
Uma infamia qualquer muitissimo engenhosa...
Tens

um amigo? bem, vamos calumnial-o;
Tens amantes? melhor, eu
dou-te o meu cavallo
E dás-me a mais formosa.
Parece que o rubor te vai subindo ás faces...
Ó Filho, não me masses!
Ó Filho, tem piedade!
Deixa-te de
sermões; no fim de contas eu
Sou muito bom christão... um
poucochinho atheu,
Como um christão qualquer da fina sociedade.
Saiamos; rompe a aurora. A burguezia dorme,
Como a giboia enorme
Que resona, depois de devorar um toiro;
Ó
giboia feliz, ó burguezia, ò pança,
Dorme com segurança
Que a forca está de guarda aos teus bezerros
d'oiro.
E chama-se Progresso, ó Deus, esta farçada!
Isto é o cinismo alvar e
em pêllo, à desfilada,
É a prostituição ignobil da mulher,
São
desejos brutaes, é
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