Antonio Augusto achava-lhe talento,
e ia jantar com ella. O escriptor morreu; e a snr.^a Rattazzi celebra
d'est'arte a memoria do seu panegyrista e hospede:
«Antonio-Augusto Texeiro de Vasconcellos. O Casa nova portuguez[2].
Seria de mais chamar-lhe celebre, mas notavel por muitas distincções,
sim. A primeira pelos grossos escandalos que datam já de Coimbra,
onde estudava; depois por grandes farçolices de que uns riam, e outros
choravam. Por algumas foi asperamente castigado. O que elle podia
melhor escrever eram as suas memorias; com certeza, tinha com que
alvoroçar a curiosidade publica. Pensaria n'isso? É provavel que sim,
mas faltou-lhe o tempo. Como quer que fosse, essas memorias só
poderiam publicar-se depois d'elle morto; se as publicasse em vida,
correria o perigo de o espatifarem». É uma princeza a escrever d'um
homem fallecido que a inculcára litterata distincta no Jornal da Noite,
mentindo á gente por um excesso de cavalheirismo fidalgo que o
desculpa, e mais relevante faz resaltar a ingratidão da leitora do Casa
nova.
Crueza e indignidade que não desafinam das tradições corsas da sua
familia; mas que será difficil encontrarem-se em uma senhora de la
haute vie, uma irlandeza de mais a mais, uma Wyse, fina flôr fanada da
Gentry.
A snr.^a Maria Letizia esteve no Porto, onde «viu o lindo riacho, Rio
de Viela que atravessa diversas ruas»; conversou com a snr.^a Alveolos,
ingleza gorda que, por signal, a não percebeu. Conta-nos--digno
Plutarcho--a biographia da estalajadeira do Francfort, e viu a confraria
dos Pénitents rouges a descer da collina para o rio, e parar com tochas
accesas á porta d'uma casa mourisca com vidraças coloridas, e
paredes esmaltadas de adobes azues. Que diabo de visão! O Hoffmann
não veria isto no Porto sem beber muito de 1815. Os penitentes
vermelhos!
Tambem esteve em Cedeifata e no palacio de crystal, acompanhada par
le savant docteur Ricardo Costa. É admiravel como ella, n'um lance
d'olhos, apanhou as linhas intellectuaes e scientificas do senhor doutor
Ricardo Costa! Quantas pessoas andam duzias de annos á volta d'um
sabio sem o penetrar!
Na carta XXIII, esta mirifica epistolographa mette a riso a nossa
pronuncia nacional, os sons nasaes, as desinencias em oês e em aô, que
nos ficaram da lingua galoga, e se pronunciam ouenche, anhon «com
um accento «violento de nariz que só bem póde imitar-se pegando
n'este appendice com a mão toda para bem proferir o portugaison».
Sim, elle é preciso pegar no appendice para bem pronunciar o
portugaison.
Vence-me o tedio; mas não me punge o remorso de ter lido 415 paginas.
Tenho, porém, vergonha de que um ou outro portuguez,
desnacionalisado por despeitos pessoaes e politicos, se compraza de vêr
os seus conterraneos enxovalhados pela snr.^a Rattazzi, cuja
maledicencia é notoriamente europêa. O seu renome de desbragada
sem-ceremonia ganhou-o em Italia e Paris a ponto de lhe imputarem as
brochuras crapulosas do infame bandido Vésinier, um corcunda
petroleiro que espingardearam em 71. Elle publicára na Belgica o
Mariage d'une espagnole com as iniciaes M. de S., em que muitos
decifraram Marie de Solms (Les membres de la commune, par Paul
Dehon, pag. 241). Outros davam quinhão na torpeza a Sch[oe]lcher
(Histoire de la revolution de 1870-71, por Claretie). Era uma calumnia
que a não pungiu grandemente; um dia, porém, o despejado amanuense
de E. Sue fez confissão publica e vaidosa de ter vendido esses farrapos
de baixo alcouce aos editores belgas.
A senhora princeza, se em vez de puffs usasse calças e voltasse a
Portugal, de certo acharia quem lhe désse umas. Tem por si o arnez da
fragilidade, posto que as senhoras um pouco durazias, e por isso menos
quebradiças, devem ater-se menos á irresponsabilidade das qualidades
vidrentas. Em todo o caso, a gente admira-se, porque esta especie de
extravagancia não é vulgar, e só póde perdoar-se ao talento que a snr.^a
Rattazi não professa. Tenha paciencia. É uma patarata, a ragged
woman, com uns quindins de mauvais aloi, trescalando a
boudoir-Lenclos, com umas guinadas de verve, barrufadas de
champagne frappé. De resto, é uma princeza que nos faz lembrar,
quanto aos seus diplomas principescos, a rainha Jacintha de negra
memoria, e quanto aos seus morgadios realengos não nos parece mais
donataria que a illustre senhora da ilha das Gallinhas. Em conclusão: o
seu livro não é cano de escorrencias muito nauseabundas, nem é canal
de noticias uteis, tirante a dos hoteis infamados de persevejos; não é
pois cano, nem canal; mas é canudo, porque custa sete tostões; e--vá de
calão--como troça e bexiga, é caro.
Notas:
[1] La verité sur M. Rattazzi, par l'Inconnu.
[2] Quem houver lido as Memorias de Casa nova, um patife no genero
Lovelace peorado, tem comprehendido a crueza da comparação.
End of Project Gutenberg's A senhora Rattazzi, by Camilo Castelo
Branco
*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK A SENHORA
RATTAZZI ***
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