A fundação da monarchia portugueza | Page 4

Antonio Vasconcellos
francez vieram para repartirem esta terra em 1807, Mas o povo
cá estava com os mesmos dotes do tempo passado, e com a mesma
mania de independencia e de liberdade.

Por mais que lhe fallassem do grande genio e do poder immenso de
Napoleão I, por mais que lhe mostrassem os granadeiros de Marengo e
de Austrelitz e por mais que lhe dissessem que os vinham proteger, o
povo teimava. Bem amigos de Camões são os portuguezes. O general
Junot promettia um Camões para a Beira. Pois nem com isso ganhou os
animos dos beirões. Contentaram-se com o seu Braz Garcia de
Mascarenhas[2], e não quizeram o Camões francez.
Nunca este bom povo portuguez faltou aos seus principes em prol da
patria, qualquer que fosse a conjunctura, e por grande que parecesse o
poder dos adversarios. Lealdade, perseverança, coragem, dedicação e
desinteresse eram qualidades antigas dos portuguezes. Nem virtudes se
lhes chamava. O nosso povo era assim. Fazia o seu dever. Do arado á
bésta, ao mosquete ou á escopeta havia a distancia do comprimento do
braço. Louvado Deus! O braço ainda é o mesmo! E a distancia
tambem!
No empenho de reconstituir a independencia portugueza, vieram os
inglezes ajudar-nos, e aproveitar as nossas boas disposições contra a
França. Cá ficaram por fim a governar como se o reino fosse d'elles. O
povo não os podia supportar. Em uma linda manhã do mez de agosto de
1820, ergueu-se de mau humor, e mandou os inglezes para Inglaterra.
Fez bem. Lá é o logar d'elles.
Pois ainda cá voltaram em 1826, mas foram-se embora sem fazerem
cousa alguma, porque para vencer o Silveira bastaram as tropas
portuguezas. O caso foi que d'ahi ficou sempre aos realistas a idéa de
dizerem que as instituições liberaes tinham sido sustentadas pelas
bayonetas estrangeiras.
Deus perdoe a quem lhes poz nas mãos esta pedra para quebrarem a
cabeça aos liberaes.
Os inglezes vieram outra vez em 1847 de braço dado com os
castelhanos. Ninguem sabe quem os chamou, ou quem o sabe, não o
quer dizer. Melhor é que nunca o diga. Bem farto de malquerenças
anda o mundo. Não precisa que lhe acrescentem o numero dos odios.

E a todos esses attentados directos e indirectos resistiu constantemente
o povo portuguez. Vigorosa nacionalidade é aquella que nem o poder
de visinhos ambiciosos, nem os erros ou deslealdades dos naturaes
poderam ainda destruir. Curiosa historia a da fundação d'este pequeno
estado que desde o seculo XII até aos nossos dias tem sabido annullar,
mais pela energia do caracter popular do que por outros meios,
multiplicados elementos de destruição e de morte.
Este estudo é talvez mais proveitoso hoje do que nunca o foi, porque
depois de termos circumnavegado o globo, e arvorado a nossa bandeira
em tantas partes do mundo, parece que caminhâmos agora para uma
situação tão critica e arriscada, como aquella em que inscrevemos o
nome portuguez no livro de oiro dos povos livres e independentes. Ao
menos assim o dizem os politicos, e póde ser que o perigo venha á
força de chamarem por elle. Tem-se visto.
O conhecimento do modo pelo qual nos constituimos em nacionalidade
distincta e forte, poderá convencer-nos de que só depende de nós
mesmos a sustentação d'este heroico feito de nossos maiores. Já não é
pouco.
As nações que têem perdido a independencia, sofrem na historia a
accusação de a não terem sabido defender ou de já não serem dignas de
a possuir. Fóra d'esta triste alternativa as nações ou não morrem ou
ressurgem.
Vamos á narração.

II
O REINO DE LEÃO
Bermudo III subiu ao throno de Leão depois da morte de seu pae
Affonso V, fallecido de molestia quando intentava tomar Vizeu.
Bermudo tinha uma irmã chamada D. Sancha, e os fidalgos de Castella
desejavam que casasse com ella o conde Garcia, seu joven soberano. O
conde já era, pelo casamento de uma de suas irmãs, cunhado do rei de

Leão. A outra era mulher de D. Sancho, rei de Navarra.
Os magnates castelhanos, dirigiram-se com o joven conde para Leão,
porém Bermudo estava em Oviedo. Resolveram então ir ter com elle á
côrte, mas antes de começarem a jornada, o moço Garcia foi
assassinado por uma familia, inimiga declarada da sua. Chamava-se
esta familia Vigila. Outros lhe chamam Vela.
As consequencias d'este crime foram de grande importancia na
peninsula hespanhola, principalmente para o ramo primogenito da
dynastia leoneza.
Sancho, rei de Navarra, tomou o encargo de vingar a morte de seu
cunhado Garcia, e succedeu-lhe na soberania das terras de Castella.
Apesar da innocencia de Bermudo no attentado dos Velas, elle foi
quem pagou mais caro esse triste acontecimento. É sorte dos principes
expiarem os erros de quem os cérca e aconselha ou de quem em nome
d'elles preocede mal.
Um pretexto de pouca valia fez dentro
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