A fundação da monarchia portugueza | Page 3

Antonio Vasconcellos
Aben?oada posteridade de D. Jo?o I e de D. Filippa de Alencastro! Esta familia nasceu na batalha de Aljubarrota, e extinguiu-se na de Alcacerquivir. Come?ou a 14 de agosto de 1385, e acabou a 4 de agosto de 1578. Fundou-a um mancebo de vinte e sete annos! Sacrificou-a um mo?o de vinte e quatro!
Nunca entrei na admiravel egreja de Santa Maria da Batalha, que me n?o sentisse melhorado pelo ar patriotico que se respira sob aquellas venerandas abobodas. Qual será o portuguez que passe com indifferen?a diante do tumulo de D. Jo?o I e de sua virtuosa mulher? N'aquella atmosphera de patriotismo, de coragem, e de dedica??o pela causa popular, n'aquelle recinto onde a memoria recorda exemplos de todas as virtudes publicas e particulares, os fracos animam-se, confortam-se os tibios, e as almas generosas exaltam-se, extasiam-se e fortalecem-se mais ainda.
Junto d'aquelles marmores mudamente eloquentes, vi eu um dos homens de mais nobre e elevado cora??o entre os que n'esta terra já houve, chorar sobre as nossas calamidades civis, e ouvi-lhe derramar em jorros de inspira??o poetica a saudade d'esses tempos gloriosos, e o amor da patria a que foi fiel até á morte![1] Triste morte por vergonha nossa!
Ali na capella chamada do Fundador jazem tambem os illustres filhos do mestre de Aviz. Quem n?o rogará a Deus pelo descan?o eterno de taes principes? Até os estrangeiros curvam a cabe?a diante do monumento que encerra os despojos mortaes do infante D. Henrique, porque as descobertas e viagens, que elle dirigiu e favoreceu, aproveitaram á humanidade inteira.
E D. Fernando, o santo, o triste principe captivo que Portugal deixou morrer em poder dos mouros para salvar a honra da patria, como se n?o f?ra irm?o de El-Rei? E D. Pedro, o malfadado duque de Coimbra, a victima de Alfarrobeira, de cuja regencia aben?oada anda a memoria entre nós na tradic??o agradecida? Esclarecidos principes!
Os portuguezes quizeram sobreviver á familia real. N?o poderam. O povo ainda fez muito em favor de D. Antonio, prior do Crato, mas este principe n?o era para tomar sobre os seus hombros a empreza do mestre de Aviz. Só se parecia com elle em ser bastardo e clerigo.
Os tempos eram outros; lamentavel o estado do reino; o povo descor?oado e pobre; a alta nobreza e o clero mais ricos de ambi??o que de virtudes; o rei de Castella muito poderoso, astuto e munificente; o cardeal rei caduco e tonto.
Quem venceu ent?o os portuguezes n?o foi o duque de Alva. A batalha chamada de Alcantara foi um insignificante feito de armas. Vencidos já elles estavam pelo concurso de mil circumstancias desgra?adas. Até o duque de Bragan?a D. Jo?o, que n?o quizéra em 1579 ser rei do Brazil, recebeu em 1581 nas cortes de Thomar o tos?o de oiro contra o costume dos seus passados que nunca tinham aceitado ordem nacional ou estrangeira. Este era por sua mulher, a infanta D. Catharina, o legitimo herdeiro da cor?a. O povo n?o podia resistir só.
Todos julgaram que Portugal acabára. Enganaram-se. A enfermidade de Alcacerquivir teve uma convalescen?a de sessenta annos, mas o doente recobrou as for?as, e quando menos o esperavam, voltou á sua invencivel teima de ser independente e livre.
Eu n?o sei, se os duques, marquezes e condes antes queriam ser grandes da Hespanha do que pertencer á c?rte portugueza. N?o sei, se os capit?es e generaes preferiam commandar em Italia ou em Flandres, se os homens de estado sacrificavam a idéa nacional á grandeza da monarchia, e se o alto clero dava mais valor á mitra de Toledo que á de Braga.
Talvez que assim fosse pelo que mais tarde se viu, quando o novo rei teve de mandar cortar a cabe?a a um duque, a um marquez e a um conde, e metter em uma masmorra um grande prelado. O que eu sei é que o povo n?o queria ser castelhano, e tanto fez que depois de vinte e oito annos de trabalhos conseguiu que o deixassem ser portuguez e livre.
Dos fidalgos alguns ficaram em Castella, onde serviam. Padres tambem houve que se fizeram castelhanos. O povo esse, n?o. Em Braga havia um homem, cujos bens eram todos em Galliza. Pois deixou-os confiscar, mas veiu para Braga, e morreu portuguez. Bom povo!
Já as pazes estavam feitas com Castella e ainda os castelhanos nos andavam a mostrar os dentes. E assim fizeram sempre, até que com o exercito francez vieram para repartirem esta terra em 1807, Mas o povo cá estava com os mesmos dotes do tempo passado, e com a mesma mania de independencia e de liberdade.
Por mais que lhe fallassem do grande genio e do poder immenso de Napole?o I, por mais que lhe mostrassem os granadeiros de Marengo e de Austrelitz e por mais que lhe dissessem que os vinham proteger, o povo teimava. Bem amigos de Cam?es s?o os
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