A Paranoia | Page 3

Julio de Mattos
obsediantes, impulsos
cegos e irresistiveis, tudo entra no quadro da monomania--o mais
amplo, diz Esquirol, de toda a classificação.
De sorte que, se os antigos, desviando a palavra melancolia do
significado que Areteu lhe dera, chamaram a um só grupo delirios do
caracter diverso e lançaram assim na sciencia uma grande confusão,
Esquirol não fez senão augmental-a pela creação das monomanias.
Como quer que seja, o immenso e, por innumeros titulos, justificado
prestigio d'este observador fez correr a palavra e a doutrina. Sem
duvida, objecções foram bem cedo erguidas contra ambas por Falret,
Delasiauve e outros, que negaram a existencia de delirios
circumscriptos a uma só idéa, affirmados na palavra, ou pozeram em
relevo a solidariedade das funcções mentaes, contradictada pela
doutrina. «Todas as faculdades, escrevia Falret em 1819, participam em
maior ou menor grau das desordens intellectuaes; de resto, sempre que
uma idéa falsa invade a intelligencia, o seu poder contagioso exerce-se
sobre as outras, de sorte que sob um delirio preponderante véem-se
estabelecer delirios secundarios e derivados que não tardam a invadir
todo o intendimento»[1]. Pelo seu lado, Delasiauve escrevia em 1829:
«Póde acaso limitar-se o circulo d'acção em que uma idéa dominante

deve exercer ou realmente exerce a sua influencia?» E mais tarde ainda:
«O delirio dos monomanos não é nunca tão circumscripto como se
pretendeu; a verdadeira monomania é rarissima!»[2] Todavia, a criticas
d'esta ordem redarguiam Esquirol e os seus discipulos que nem a
palavra monomania significava unidade de delirio, nem a doutrina
necessariamente implicava que a lesão de uma faculdade não podesse
fazer-se sentir sobre as outras; para elles, a monomania designava uma
lesão parcial e preponderante, mas não unica e independente, das
faculdades.
[1] Falret, Des maladies mentales
[2] Delasiauve, Les Pseudomonomanies
«Tem-se negado, escrevia Esquirol, a existencia dos monomaniacos,
dizendo-se que os alienados não deliram nunca sobre um só objecto,
mas que sempre n'elles há perturbações da sensibilidade e da vontade.
Mas, se assim não fosse, os monomaniacos não seriam loucos.»[1] Pelo
seu lado, Marcé escrevia: «Nunca os que crêem na existencia das
monomanias pensaram em negar a solidariedade das faculdades
intellectuaes no monomaniaco. Reconhecendo que o delirio é raras
vezes limitado a um só ponto, crêem, no emtanto, dever conservar as
monomanias a titulo de grupo distincto.»[2]
[1] Esquirol,Des maladies mentales, tom. II, pag. 4.
[2] Marcé, Traité pratique des maladies mentales,pag. 351.
Voltemos, porém, ao nosso restricto assumpto.
A monomania intellectual de Esquirol, caracterisada por um delirio
limitado de natureza alegre ou triste, não é senão a melancolia dos
antigos medicos. Para aquelle, como para estes, era a extensão dos
conceitos falsos o criterio para classificar as loucuras em que ha
compromisso da intelligencia: de um lado, a mania, manifestando-se
por um delirio geral e dispersivo, do outro, a monomania,
symptomatisada por um delirio parcial e fixo.

Se a estas duas especies accrescentarmos a idiotia e a demencia,
entrevistas por Pinel, mas só definidas por Esquirol, a estupidez
descripta por Georget, e a paralysia geral, estudada por Calmeil,
encontramo-nos em face da classificação das psychoses que até ao
meiado do nosso seculo a França inteira adoptou. Ora, dentro d'esta
classificação, não teem logar distincto e proprio, como se vê, os delirios
systematisados: o de perseguições é descripto como uma variedade
lypemaniaca, e o de grandezas é confundido com as manifestações
symptomaticas de outras doenças mentaes.

II--PHASE ANALYTICA
De Lasègue a J Falret e de Griesinger a Snell e Sander--O delirio de
perseguições; a megalomania; o delirio dos perseguidores; a
Verrücktheit secundaria; a Verrücktheit originaria--Começo de
interpretação pathogenica.
Foi Lasègue em 1852 quem primeiro destacou do cahos da melancolia
o delirio de perseguições para eleval-o á dignidade de «especie
pathologica entre as alienações mentaes».
No seu memoravel trabalho sobre este assumpto, o eminente alienista
começa por notar que as idéas de perseguição apparecem como
episodio symptomatico e a titulo de phenomeno incidente no
alcoolismo, nas loucuras provocadas por certas substancias narcoticas
e em muitos delirios parciaes; na doença, porém, que elle descreve pela
primeira vez essas idéas não são um syndroma fortuito, mas um facto
constante e essencial, um phenomeno preponderante e fixo. A nova
psychose tem, de resto, como titulos á autonomia nosographica,
symptomas especiaes e uma evolução caracteristica.
Estudando a marcha do delirio de perseguições, Lasègue reconhece-lhe
dois periodos: um, de incubação, consistindo n'um mal-estar indefinido
e vago, mas absorvente e inquietante, em que o doente se suspeita
victima de hostilidades cuja origem não sabe ainda determinar; outro,
de estado, em que o delirio definitivamente se installa e systematisa.

Ao principio o doente não exprime a idéa de uma perseguição senão
com uma certa reserva, hesitantemente, tentando ainda provar a si
mesmo que ella é absurda; mais tarde, porém, a duvida esbate-se e o
systema delirante apparece definitivamente formado. A duração do
primeiro d'estes periodos é essencialmente variavel: tão rapida em
alguns
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