A Paranoia | Page 9

Julio de Mattos
por��m, como as de grandeza, n?o constituem para elle uma phase evolutiva, mas apenas um acompanhamento ou complica??o da doen?a de Las��gue.
Uma parte nova e valiosa do trabalho de Legrand du Saulle �� a que se refere ao diagnostico differencial entre o delirio de persegui??es idiopathico e o que, como syndroma, apparece na demencia senil, na paralysia geral, no alcoolismo subagudo e nas intoxica??es pelo chumbo e pelo sulfureto de carbone.
N?o terminaremos esta rapida analyse do livro de Legrand du Saulle sem notar que elle soube p?r em relevo dois factos interessantes, ulteriormente notados por quantos se teem occupado d'este assumpto: a existencia em muitos perseguidos de allucina??es auditivas bilateraes de caracter differente--vozes benevolas d'um lado, vozes hostis do outro, e a tendencia d'estes doentes �� forma??o de neologismos e de um incomprehensivel vocabulario privativo de cada um.
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At�� aqui os trabalhos francezes. Vejamos agora, retrocedendo um pouco na ordem dos tempos, de que maneira os psychiatras allem?es comprehenderam os delirios systematisados.
Foi Griesinger o primeiro entre elles a occupar-se d'este assumpto no seu Tratado de Doen?as Mentaes cuja appari??o remonta a 1845, mas que s�� vinte annos depois veio a ser conhecido em Fran?a pela traduc??o Doumic. N'esse livro, por muitos titulos notavel, descreve o eminente professor de Zurich, sob a denomina??o de Verr��cktheit, os delirios parciaes que alguns annos mais tarde Las��gue e Foville haviam de elevar, dando-lhes nomes privativos, �� cathegoria de especies em nosographia mental. Se bem que abreviada e n'um ou outro ponto confusa, a descrip??o de Griesinger abrange todos os pontos essenciaes da symptomatologia dos perseguidos e megalomanos, como facilmente se ajuizar�� pelas transcrip??es que seguem.
Referindo se ��s concep??es que s?o o nucleo mesmo do delirio e o seu mais apparente symptoma, Griesinger escreve: ?S?o umas vezes id��as activas, exaltadas, maniacas; o doente occupa uma posi??o elevadissima e tem um grande poder: �� Deus, as tres pessoas da Santissima Trindade, reformador do Estado, rei, um grande sabio, um propheta, um enviado de Deus ou descobriu o movimento perpetuo, �� o dominador de toda a natureza e conhece os elementos de todas as coisas, etc. Outras vezes s?o id��as passivas: os doentes cr��em-se lesados, dominados, submettidos ao poder d'outrem; julgam-se perseguidos, victimas de tramas hostis; mysteriosos inimigos atormentam-nos pela electricidade, os ma?onicos fazem lhes mal, s?o possessos do diabo, est?o condemnados a supplicios eternos, e roubados nos seus bens mais caros, etc.?[1]
[1] Griesinger, Trait�� des maladies mentales, trad. franceza, pag. 386.
Occupando-se dos erros psycho-sensoriaes, escreve: ?As illus?es e allucina??es em nenhuma outra f��rma de loucura s?o t?o frequentes como na Verr��cktheit; em grande numero de casos s?o ellas principalmente que alimentam e entreteem o delirio. Muitas vezes os doentes conversam com as vozes que escutam, ou discutem com ellas, entregando-se ent?o a accessos de colera?[1]
[1] Griesinger,Obr. cit., pag. 388.
Sobre o caracter absorvente d'estes delirios e sobre as transforma??es de personalidade, diz Griesinger; ?Involuntariamente o alienado refere tudo ao seu delirio, e �� d'este ponto de vista que julga todas as coisas ... As concep??es falsas relativas ao proprio Eu chegam a attingir um elevadissimo grau, a partir do qual o doente n?o considera as coisas do mundo externo sen?o de um modo inteiramente pervertido ... Alguns d'estes doentes parecem cr��r que a sua verdadeira personalidade anterior deixou de existir?[2]
[2] Griesinger,Obr. cit., pag. 387.
Sobre a necessidade do neologismo nos delirios systematisados de uma longa dura??o, escreve o eminente alienista: ?Por vezes a linguagem ordinaria n?o basta ao doente para exprimir o proprio pensamento, pelo que construe, ao menos para traduzir as suas concep??es delirantes, um vocabulario especial, que elle cr�� ser a linguagem primitiva, a linguagem dos ceus?[3]. Ainda a proposito da exteriorisa??o do delirio, Griesinger nota que ?por vezes o doente occulta cuidadosamente o seu systema geral de absurdos?[4].
[3] Griesinger,Obr. cit., pag. 388.
[4] Griesinger,Obr. cit., pag. 388.
Sobre o estado affectivo d'estes delirantes exprime-se assim o professor allem?o: ?Nunca estes doentes tomam parte, como outr'ora, nas coisas do mundo externo, ou s?o capazes de amar e odiar como antes; podem morrer-lhes os paes e os amigos, p��de ser-lhes subtrahido o que mais estimavam, p��de o mais terrivel acontecimento incidir-lhes sobre a familia sem que elles sintam mais que uma ligeira emo??o, se alguma sentem. Um s�� ponto ha em que podem ser ainda emocionados, que p��de abalar-lhes promptamente os sentimentos e provocar uma forte reac??o da vontade: procurem-se combater pelo raciocinio as suas id��as fixas e logo elles se irritar?o e entrar?o em colera; acariciem-se, pelo contrario, as suas concep??es e elles mostrar-se-h?o contentes?[1].
[1] Griesinger,Obr. cit., pag. 388.
Cr��mos que as cita??es precedentes bastam para demonstrar que Griesinger conheceu intimamente os perseguidos e ambiciosos. A descrip??o que d'elles faz, como quadro symptomatico d'apr��s nature, �� nas suas linhas capitaes e at�� em alguns detalhes a mesma que alguns annos mais tarde haviam de exhibir-nos os
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